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terça-feira, 23 de novembro de 2010

Colaboração da Acadêmica Carla Ceres Oliveira Capeleti - Cadeira 17 - Patrona : Virgínia Pratta Gregolin

Soneto Decomposto




















Meu último soneto foragido
De quem lhe profetiza morte breve
Fazer-se de moderno só se atreve
Por loucas esperanças de ser lido.

Meu último soneto entristecido
Despede-se das rimas companheiras,
Despindo-se do canto mais preciso
Que embala seus desejos de poema.

Meu último soneto, não duvides:
São muitos os banidos,
os tristonhos.
Parece que não há lugar pra todos.

Banido é o velho,
o enfermo,
o descontente.
Banidos os rebeldes,
os boêmios
E tu, que és vão soneto posto a prêmio.


Classificados
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RE-VENDO, por motivo de mudança, poema semi-novo, em bom estado, com torres-de-marfim vindas de França e um lago em seus jardins ensimesmado. Em troca, aceito um canto mais moderno, repleto de grafis¬mo em tons escuros, com guardas patrulhando o lado externo e um medo a se esgueirar por entre os muros.
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Encomenda Bélica

Hoje encomendaram um poema bélico:
Versos que provassem
Que a verdade importa quando está comigo
E meu deus é grande porque mata mais.

Deve ser escrito em vermelho vivo.
Nada de vermelho cor de sangue, escuro.
Querem tons vibrantes de cereja ao sol
Inspirando gritos de guerra incontidos.

Querem ameaças contra céus e infernos:
Pobre do diabo que estiver ao lado
Dos meus inimigos!
Pobre do anjo inútil que pensar em paz!
Jazerá prostrado onde o deus dos sábios
Mutilado jaz.


Lago

Reflito um mundo azul ensolarado
E noites também mostro, pois sou lago.
De imagens ondulantes, sou formado.
Mutante é meu semblante sempre vago.


Em ter um rosto imóvel, não me agrado
E as brisas companheiras perto trago
Enquanto vou tramando, com cuidado,
O manto de reflexo em que sou mago.

Magia rebrilhante em tantos feixes,
Eu vivo mergulhado em teu conselho
E peço que, sem vida, não me deixes.

As nuvens do poente, um tom vermelho
Reúna-se aos dourados de meus peixes
Causando funda inveja ao raso espelho.


Clepsidras


Mania de precisão:
O homem que controlava
Os velhos relógios d’água
Sempre disse que faltava
“Uma gota pra hora exata”.

A menos ou a mais? Não importa!
O fato é que a hora certa,
Por certo, se esconderia
No pingo que lhe sobrasse
Ou no que lhe faltaria.

E que falta lhe faria
A conta da gota exata
Na exata conta da gota
Da qual faz parte este dia!


O Outro

A vítima, o faminto, o diferente,
O estranho, o triste, o herege, o escuro, o torto,
O belo, o feio, o pobre, o dissidente,
A fêmea, o sábio, o bruxo, o livre, o morto
Destroem nosso mundo tão perfeito,
Desprezam o viver em cativeiro,
Prosseguem sem pensar que, deste jeito,
Expõem nossos temores por inteiro.
A cada qual aguarda seu suplício:
Degredo, beijo-à-força, excomunhão,
Mordaça, ferro em brasa, cruz, hospício,
Fogueira, forca, roda, escravidão...
Seguimos demonstrando, desde cedo,
Ao outro a imensidão de nosso medo.

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