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quarta-feira, 25 de julho de 2012

A difícil tarefa de escrever

Colaboração da Acadêmica Myria Machado Botelho
Cadeira n° 24 - Patrona: Maria Cecília Machado Bonachela

            Escrever é um ato sério. A passividade de uma folha em branco esconde armadilhas e comprometimentos. O que se fala é efêmero, mas aquilo que se imprime e se fixa exige reflexão, ponderação, cuidado, sobretudo conhecimento e apuro. O dever de informação e formação do escriba é vário em todas suas modalidades e não pode ser prejudicado pelo sectarismo – uma forma intransigente e apaixonada de dizer as coisas como se estas fossem certas e infalíveis, isto em se tratando de jornalismo. Ninguém é dono da verdade, contudo, podemos esforçar-nos para aproximar-nos quanto mais da veracidade que se constrói no repúdio a toda forma  duvidosa, em que as fontes possam ser falsas ou mentirosas.
            O trabalho de quem escreve é silencioso, sofrido e obscuro, nem sempre valorizado devidamente, tratando-se do escritor ficcionista e criador; são pequenas as consolações, exceto aquelas, parafraseando o poeta, anônimas e sem raízes, recebidas como bênçãos, “um repouso ao cansaço, um pouco de modéstia aos mais felizes, um pouco de bondade aos mais perversos.”
            Nos tempos que correm, o texto da era digital é veloz, cria cenários de comunicação planetária, uma revolução que muitos chegam a considerar como a morte da palavra escrita, e consequentemente o fim da arte literária. Em meio a esta revolução, surgem fatores desgastantes em detrimento do que se poderia considerar uma preocupação maior e mais cuidadosa para com a comunicação escrita. O descaso com a língua e a sintaxe, o estilo e a forma, uma superficialidade sustentada e revigorada pela tecnologia fácil, criou uma improvisação que ameaça desbancar o esmero, o cuidado e o esforço dos bons esgrimistas da palavra e as características indispensáveis do verdadeiro escritor. Para tudo, é necessário o preparo, o embasamento da leitura e do conhecimento e, logicamente, o talento. Acredito, contudo, que essa fase terá um fim, a bem de uma sobrevivência que, forçosamente, vai acontecer.
            Expressando suas experiências e introspecções, dentro de seu próprio mundo, o bom escritor tem uma responsabilidade social, imposta pela qualidade inata da inteligência e do engenho natural. No ambiente onde vive, dentro de sua comunidade, sua tarefa é a de entregar a realidade nas mãos dos leitores.
            Neste terceiro milênio, à sombra de todas as convulsões ocorridas no século passado, que muitos consideram o pior de todos os que o precederam no terreno da violência, das guerras, das lutas de classes e conflitos raciais, dos desregramentos morais e sexuais, sobretudo do materialismo sem Deus e contra Deus, as conquistas tecnológicas e científicas, estranho paradoxo, levaram o ser humano a regredir no terreno espiritual. Homens e mulheres desarmonizaram-se interiormente, sem saber o que fazer de si mesmos. Rompendo o próprio equilíbrio, romperam-se em consequência o equilíbrio ecológico e a estrutura da sobrevivência no planeta.
            O gosto pela boa leitura, o aprofundamento, o mergulho no vastíssimo oceano das ideias e da reflexão que tantos benefícios podem trazer ao conhecimento humano e aos relacionamentos, aprimorando o comportamento subjetivo e, consequentemente, a contribuição qualitativa exterior, vêm cedendo espaços para a superficialidade medíocre. Os bons escritores escasseiam e já integram o quadro das exceções.
           Por toda essa desordem, temos de admitir, somos responsáveis, estamos no mesmo barco e com ele afundaremos ou emergiremos.
            E o escritor? Deverá ele alienar-se e retirar-se, ou ainda restringir-se e comunicar ao mundo somente o lado amargo, cruel e triste de suas observações e experiências? Ou procurar suavizar a realidade, dourando-a com o tênue manto do sonho, da beleza e da fantasia? E no terreno mais doméstico, dentro de suas pequenas fronteiras, no restrito raio de alcance de seu trabalho inglório e de resultados tão relativos neste país tão dividido, em que o humilde escriba do interior representa tão pouco ou quase nada, sem apoio ou incentivo, deverá ele insistir ou fugir? Cremos sinceramente que não.
            Uma vez que as distâncias se encurtaram e as preocupações passaram a ser igualmente comuns; uma vez que a reciprocidade se tornou mais próxima e possível pelos meios de comunicação, é  dever continuar e contribuir com a pequenina parcela que lhe cabe.
            A literatura sempre será o instrumento mais sensível a serviço da criatura humana, além de ser um fator de unidade e ajuda recíproca. Em contato com os acontecimentos mais próximos e nessa mútua relação, a voz do escritor no seu idioma nativo deverá ser a força que agrega, une e preserva o espírito de uma comunidade, de uma nação. Partindo das próprias experiências e identificações, e devagar, se começa a trazer na própria direção o que acontece pelo mundo.
          Poetas, ficcionistas, jornalistas, historiadores e pensadores, quem senão estes, providos de sensibilidade e daquela indefinível chama de sensação intuitiva aliada à competência, poderiam ser melhores vigilantes da vida que pulsa ao redor, com toda sua pungência, seus acertos e fracassos, decepções e desencontros, com toda sua maravilhosa e doce utopia? Com toda sua memória preciosa e indispensável  para ser legada aos jovens e servir de arrimo aos mais velhos?
         O escritor é a testemunha de seu tempo. Pequeno ou grande, ousado ou tímido, na primeira frente ou na retaguarda, não importa. Com ímpeto ou doçura, carregando nas tintas ou suavizando-as, usando a palavra de forma envolvente e musical, ou tonitroando-a como imprecação, criando e dando vida eterna aos arquétipos imortais de tantas obras-primas, capazes das revoluções da alma e do mundo, plenas de um conteúdo inovador ou transformador – eis a força da palavra que nenhum computador e nenhuma revolução digital poderá substituir com igual amplitude, benefício e confiabilidade.     

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