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quarta-feira, 21 de novembro de 2012

Mais histórias de Ariranha

João Umberto Nassif
Cadeira n° 35 - Patrono: Prudente José de Moraes Barros
                          
Chico Mola, nascido e batizado como Francisco José da Cruz, era o mais velho dos sete irmãos. Nega Tereza era mulher de fibra, quando o safado do Oscarlino se engraçou com a mulatinha Zuza, que lavava roupa na barranca do rio, coxas grossas, a paixão desvairada mudou a vida da família. Nega Tereza, cheia de razão colocou os dois desavergonhados para correr. Ficou a criançada, uma escadinha de sorrisos fáceis, alvos, barriga vazia, se não fosse a ajuda do padre e dos vizinhos todos estariam na cova. Nega Tereza passou a fazer de tudo, faxina, à noite ajudava na cozinha de um bar e restaurante, lá ela ganhava um pouco mais de comida para levar aos famintos bacuris. Como na vida tudo se ajeita, o tempo vai curando feridas, consertando estragos, André Maquinista arrumou um emprego para Chico Mola. Ajudante de cozinha no vagão restaurante. Com a prática de quem servia mais seis irmãos enquanto a mãe trabalhava fora, logo Chico Mola tornou-se elemento fundamental na cozinha do vagão restaurante. O que matava era o calor, o uniforme, tudo isso naquele cubículo, com fogão quente. Os passageiros queriam ser bem servidos, aproveitarem da vista que o vagão oferecia, um ou outro, tomava um chope sentado em uma das banquetas, e logo saia. Filé com fritas, feito pelo Chico Mola era o prato sem concorrência. Uma noite escaldante, o trem deslizava enquanto os passageiros sentados em uma mesinha, bebericando um vinho, lendo “O Cruzeiro”, ou discutindo a bolsa do café. Chico Mola não aguentou mais, tirou o jaleco branco e ficou de camiseta regata. Desse dia em diante era assim que ele passou a cozinhar. Com uma toalha enrolada no pescoço limpava a fronte do suor. Francisco Aragão Menezes era um jovem, filho de afamado cafeicultor. Era sujeitinho intragável. Possuía uma caderneta que levava no bolso, com endereços das mariposas de plantão, que o atendiam com muito amor ao recheio da sua carteira. Nariz arrebitado, usava uma bengala mais como adereço do que por necessidade, enlouquecia os alfaiates para dar o caimento perfeito naquele corpo franzino. Cabelos impecáveis, assentados com vaselina perfumada, era uma cópia latina de alguém que se julgava autêntico cidadão britânico, graças aos anos que lá viveu enfurnado em bordéis. Com muito custo diplomou-se, dizem até que o equivalente a muitas sacas de café foram doadas para a universidade se ver livre de tal espécime. Sentado em confortável mesa, Francisco Aragão Menezes, também conhecido, sem que soubesse, por Dr. Vaselina, pede um vinho raro, Château Margaux 1900, de que por dessas coincidências incríveis existia em estoque uma única garrafa, ninguém tinha tido coragem de pagar o seu preço. Servida a bebida, a entrada, o prato principal: Filé com fritas. Um silêncio mortal reinou no vagão quando Dr. Vaselina esbravejou: “Esse filé está mal passado, o boi está quase berrando”. Imediatamente, o chefe de cozinha levou o filé para que Chico Mola o deixasse no ponto. Alguns minutos depois, o impaciente Dr. Vaselina degustou o melhor filé com fritas da sua vida. Mal sabia que antes de se levado para a chapa, Chico Mola, tinhoso, tinha adicionado o suor que escorria do seu rosto ao filé mal passado. Ainda embolsou cinco mil réis como gratificação.

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