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quarta-feira, 14 de maio de 2014

LONGA ESPERA

Antonio Carlos Fusatto
Cadeira n° 6 - Patrono: Nélio Ferraz de Arruda

Noite avançada; céu deslumbrante, leva o cabisbaixo noctívago à margem do rio, onde se acomoda num banco de areia: calça arregaçada, pés descalços dentro d’agua, olhos voltados ao firmamento, pede a conspiração da lua e das estrelas a seu favor, para tornarem a noite ainda mais bonita, a fim de lembrá-la do grande amor que nele despertou. Nesta negritude mística, a natureza prepara um cenário mágico para o desenrolar de um monólogo mental, que ora se inicia.
Pirilampos vagueiam por este palco natural, fortalecendo com suas luzes o encantamento do local; vez ou outra, a sinfonia de grilos e batráquios é interrompida pelo pio estridente d’alguma ave noturna em voo rasante.
A lua, expectadora deste cenário, parece sorrir comovida, lançando sobre a copa das árvores e o rio uma colcha tecida com fios de prata; uma brisa leve passeia pelos galhos das árvores, alternando o cenário com o farfalhar das folhas.
O tempo passa...; olhos semiabertos, o pensamento devaneia pelo tempo...
Cheiro de relva rorida aguça-lhe ainda mais a lembrança dos momentos que ali passou com ela; dos passeios de barco nas manhãs sonolentas, das pescarias ao pôr-do-sol, rebojar dos cardumes nas piracemas...
A ampulheta não para, paulatinamente espesso nevoeiro, mais parecendo um exército de fantasmas rastejando sobre a relva, envolve o rio e a mata... Ali sentado, só ele e o rio... Dela, a saudade, a vontade de gritar ao mundo, a dor da desilusão.
Propositalmente ela deixou o tempo passar, talvez um dia resolva procurá-lo; provavelmente terá ido embora, seu espírito indômito não permite ficar: é como o rio solitário, ora calmo, ora agitado, mas sempre em busca de um braço de mar.

E, nesta divagação, já é dia, sol escaldante, areia molhada, um rancho esburacado, herança de seu saudoso pai, uma porteira mal fechada, no horizonte a silhueta de um adeus!...

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