Páginas

quinta-feira, 25 de setembro de 2014

Mudanças

João Baptista de Souza Negreiros Athayde 
Cadeira n° 34 - Patrono: Adriano Nogueira

        Sobre o tema, pode-se fazer referência aos movimentos populares de junho de 2013, que deixaram atônitos os mandatários do poder, confrontados  com sua própria incompetência e desfaçatez, daí apressando-se às inevitáveis promessas de mudanças; mas pode-se discorrer simplesmente sobre o que deve ser entendido por mudança, suas raízes, seus objetivos e as dimensões que busca alcançar.
         A palavra mudança soa-nos como ironia, posto sempre ser dita sem nenhuma seriedade ou compromisso, ou apenas para dar resposta à pressão popular como ocorrido nas ditas jornadas de junho.
        O que temos visto ao longo da História e acompanhado desde as últimas gerações, é que a atividade política em nosso País é exercida quase sempre de forma distorcida, sinuosa, não para atender à ética da consciência, mas para homenagear a ética da conveniência.
         A distinção entre essas duas posturas políticas é clara, e mostra bem a diferença entre o político com envergadura de estadista e o político meramente eleiçoeiro e oportunista.
         Por serem extremamente raros entre nós os exemplares de estadistas, proliferou sempre a outra espécie, ajudada por sistemas eleitorais gestados com essa finalidade, trazendo-nos esse desencanto cívico de ver que a atividade política tem sido a arte dos expedientes tortuosos para satisfação de interesses próprios e de grupos e para o monopólio do poder, e não um ideal que possa ser o fio condutor de ações e posturas voltadas ao interesse público, essência de uma República. 
         A proliferação dessa espécie daninha ocorre justamente para que seja mantido esse sistema perverso, que faz a banalização das próprias torpezas e a dissimulação do estado de violação contínua dos princípios da ética, do bom senso, da legalidade e da cidadania, numa afronta selvagem e perene aos cidadãos de bem.
         Assim é, infelizmente, e por isso vamos votando em Fulanos  para eleger  Sicranos, e votando em Sicranos para eleger  Beltranos, tudo graças ao sinuoso caminho (ou descaminho?) do atual sistema eleitoral.
         Um parêntese : consta no sítio eletrônico da Câmara Federal (www2.câmara.leg.br/camaranoticias/noticias/150807) que apenas 07% dos 513 Deputados Federais atuais foram eleitos por voto direto em seu nome; ou seja, os demais, ou 93% desses representantes, foram eleitos  graças aos votos vindos dos famigerados puxadores de votos, que servem bem a esse  engodo eleitoral.
        Num sistema eleitoral assim, onde a qualidade do voto, se a vontade e a intenção do eleitor ficam descaracterizadas? E onde a legitimidade da própria representação?
          E não é só.  A legitimidade da representação também fica questionada e fragilizada quando os nossos representantes, mandatários de um poder delegado, praticam toda sorte de desvios e malfeitos de forma sistemática e descarada, dando origem ao  inesgotáveis mares de lama que solapam a credibilidade e moralidade das Instituições, minando  os alicerces do Estado de Direito.
           Ora, se se disser que a legitimidade da representação subsiste mesmo quando os representantes praticam esses desvios, então temos que concluir  que  somos  mandantes e avalistas de todos os mares de lama  em que vêm se transformando as nossas Instituições.
          Conclusão surreal?  Pode ser.  Mas decorre do sistema eleitoral e do panorama político vigente, os quais parecem haver atingido o grau mais sofisticado do próprio surrealismo, superando os anseios de Breton e Dali.
           Mas, antes que esse desencanto cívico nos leve ao cinismo e à indiferença, parece imperativo chamarmos para nós, como sociedade que tem o dever de se organizar, a responsabilidade de pensar em mudar esse estado de coisas, de descobrir quais mudanças devem ser realizadas, quais suas finalidades e quais suas dimensões.
        Vemos, atualmente, que os discursos dos políticos, mais uma vez, têm-se centrado na necessidade de várias reformas, como a reforma tributária, reforma política, administrativa, previdenciária, do pacto federativo, etc., etc.
        Entretanto, diante do quadro político-eleitoral que temos hoje, qualquer dessas alardeadas reformas perde a razão de ser se, antes, não for realizada uma reforma eleitoral profunda, que permita à sociedade manter na atividade política, apenas cidadãos que sejam exemplos de espírito público; que sejam capazes de lutar por transformações  positivas para toda a sociedade  e não para si próprios ou para alguns; que possuam visão muito nítida entre o interesse público e o privado; que reconheçam a sacralidade da res publica;   e que,  sobretudo, sejam  afeitos à altivez do cedro e não à complacência do junco, que se curva sempre ao sabor dos ventos.
          É sonhar demais? Talvez! Mas, podemos chegar lá, desde que demos o primeiro passo, reconhecendo a urgência de promovermos a mudança desse sistema eleitoral tão sinuoso, que não responde legitimamente aos interesses da cidadania brasileira.
        Entendemos que uma mudança substancial pode ser trazida pelo sistema eleitoral do Voto Distrital, único  que permite à sociedade conhecer melhor os candidatos aos cargos legislativos federal, estadual e municipal, através de dois turnos  realizados em cada distrito; permite maior aproximação entre o eleitorado e os candidatos, inclusive pela oportunidade de debates diretos de ideias e programas;  além disso, dá aos cidadãos poderes para fiscalizar o exercício da representação, obstando os  desvios da atuação política do eleito, visto  ser um sistema que permite a chamada revogação de mandato (recall), através de eleições convocadas para esse fim pelo próprio distrito que o elegeu.
          Cremos estar na hora de utilizarmos a internet para entendermos mais amplamente em que consiste o Voto Distrital, inclusive conhecendo o avançado projeto elaborado pela Comissão de Reforma Política da OAB/SP (www.oabsp.org.br/comissões/reformapolítica).
        Cremos estar na hora de envidarmos esforços (quem sabe até através de Lei de Iniciativa Popular), para trazer mudanças verdadeiramente substanciais ao atual sistema político-eleitoral, mudanças que sejam capazes de dar o mínimo de qualidade ao nosso voto e o máximo de  credibilidade   às sagradas Instituições Republicanas, que são as bases e a sustentação do Estado de Direito e constituem os fundamentos de uma verdadeira Nação.


Publicado na “Gazeta de Piracicaba”  em 23 e 24/09/14

Nenhum comentário:

Postar um comentário