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quarta-feira, 8 de abril de 2015

A Páscoa da Vida

 Acadêmica Myria Machado Botelho
Cadeira n° 24 - Patrona: Maria Cecília Machado Bonachella
            Há dois mil anos o sol acordou cedo em Jerusalém e havia um movimento desusado,uma sensação esquisita de algo incompleto que carregava as expressões de uns e de outros.  Os acontecimentos terríveis da semana saíram do usual, e cercados de fatos reais e sobrenaturais trouxeram para todos que os  presenciaram, ou souberam do drama pungente, um misto de perplexidade, uma sensação de que algo muito grande ainda estava por vir, e a tragédia ainda não fora arrematada. 
            Muitos se recordavam do homem humilde, montado num jumento que há poucos dias fora aclamado por uma multidão em Jerusalém e recebido como Rei e Filho de Davi. Não foram poucos os que traziam, cravado nas retinas e nos corações, aquele olhar profundo e inesquecível provindo de um nazareno extremamente belo, de túnica muito branca... Seu olhar devassador mais parecia enxergar lá dentro da própria alma e descobrir anseios, sofrimentos e traições!
            Fatos incomuns acompanhavam aquele peregrino de toda a Judéia, a Samaria e a Galiléia: curas e feitos maravilhosos,  palavras sábias e iluminadas   provindas do céu! Eram histórias e parábolas belíssimas que continham o fogo da verdade e da confiança, palavras que consolavam, remediavam, perdoavam, e asseguravam um mundo melhor e uma vida mais além... onde  não havia sofrimentos...Palavras que traziam para os corações o sentido da vida, a dignidade e o respeito merecidos por todos, filhos de um mesmo Deus e irmãos entre si mesmos.      
            Naquela manhã, o aspecto da cidade se transformara: os gritos dos almocreves repercutiam mais brandos e as bestas vindas das fontes, carregadas de odres, batiam seus cascos nas pedras, mais compassadas dentro do cenário natural. Os pássaros e as borboletas caprichavam em seus trinados e revoluteios, confundindo-se com as flores que se abriam exalando aromas suaves... os rebanhos uniformes  espargiam seus balidos pelos ares em intensa harmonia...  As crianças, de cabelos dourados e olhos tranqüilos, brincavam mais alegres e serenas... todos estes sabiam, com certeza deviam saber!..
            Entre os adultos e os mais esclarecidos, porém, quanta confusão e quanta dor! Um homem bom e justo fora crucificado de forma brutal! Um homem que pelo amor se doara havia morrido... O mundo se esvaziara, perdera seu motivo, e a sensação de orfandade prevalecia ...
            Por toda parte, dentro e fora dos muros de Jerusalém, uma estupefação, misto de inconformismo, remorso e descontentamento da parte dos protagonistas daquele drama;os mais numerosos,porém,  os pobres, os doentes, os operários, as viúvas, as mulheres pecadoras e as virtuosas, choravam a ausência daquele Jesus das bênçãos, das consolações, das promessas, das bem-aventuranças, do pão que saciava a fome, do peito que abrigava, do perdão que aliviava, dos mortos que voltaram à vida- Lázaro, o filho da viúva,e a filha do centurião!  Suas lágrimas e seus gemidos misturavam-se à saudade e à lamentação!
            Outros, contudo, ainda o temiam.  Ele prometera voltar. E completavam a comédia de seus atos, guardando seu túmulo com escoltas. Tinham medo de um cadáver!
            Mas o sol viera mais cedo naquele domingo e no jardim de José de Arimatéia havia prelúdios de hosanas. Tudo ali era mais belo, rodeado pelos sons orquestrados da natureza em festa, das flores e das árvores farfalhantes, e do firmamento esbanjando pelas frestas da vegetação tonalidades de ouro, de azul e de rosa- iluminuras cintilantes incidindo sobre aquele sepulcro envolvido de paz e de silêncio!..
 Súbito, em meio a esta harmonia, ouviu-se um estrondo que repercutiu muito longe, ecoando pelas quebradas dos montes... Uma grande pedra fora removida...

            Um acontecimento extraordinário fechava aquele ciclo que já não era o da desesperança e do desespero... Aquela semana de tantos acontecimentos extraordinários resgatava uma inominável injustiça e selava o compromisso de um Deus! Ele prometera voltar ressuscitado após o terceiro dia e cumpria sua promessa. Uma promessa que trouxe aos cristãos- de ontem, de hoje e de amanhã- a certeza de que não estamos sós; a grande esperança de que um dia , nós também, na Páscoa da Vida, O veremos face a face, na morada prometida aos justos e bons, todos aqueles que, guardando sua Palavra e seguindo seus ensinamentos, mantiverem acesa a centelha de seu divino Amor!

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