De tempos em
tempos, geralmente nos dois primeiros meses do ano, encontra-se à venda em São
Paulo o imbu, uma fruta deliciosa proveniente do chamado Polígono das Secas,
vasta região que começa no Norte de Minas Gerais, atravessa uma larga faixa da Bahia
e se estende pelos Estados do Nordeste.
Conheci o imbu
em 1999, quando participei de expedições de estudos, nas ruínas de Canudos. É
uma frutinha verde, carnuda, com sabor acidulado e ao mesmo tempo adocicado,
extremamente agradável ao paladar. Comi a fruta ao natural e, também,
transformada num sorvete maravilhoso.
O imbuzeiro é
uma árvore singular, que consegue o prodígio de se manter verde mesmo em
períodos de seca, quando toda a vegetação em volta seca por inteiro. Suas
raízes são profundas, enterram-se muitos metros abaixo do nível do solo, sorvendo,
avidamente, a escassa umidade que o interior da terra consegue ocultar aos
raios devoradores do insaciável Sol. Ano a ano, como em um passe de mágica,
floresce e, no mês de janeiro, entrega à luz esfuziante do astro-rei centenas
de saborosos frutos, que fazem as delícias dos que os saboreiam. É então a hora
das tachadas de imbuzada, quando, em leite de cabra e com bastante rapadura, as
mulheres cozinham os imbus e todos os sertanejos se deliciam com aquele pitéu
dos deuses...
Nas épocas de
seca braba, que na região por vezes se prolonga por quatro, cinco ou seis anos,
o imbuzeiro beneficia a população. Suas raízes, desenterradas, possuem uma
espécie de tubérculos, as “batatas de imbu”, que conservam água e podem ser
sorvidas por lábios sequiosos. Depois, secas e raladas, fornecem farinha que
não é muito nutritiva, mas ajuda a disfarçar a fome nas horas de aperto,
Acredita-se que tenha, também, propriedades medicinais. Euclides da Cunha
chamou o imbuzeiro, da espécie Spondias
tuberosa, de “árvore sagrada do sertão”.
De fato, ele
assume naquelas regiões um papel que simboliza a própria Providência Divina. É
a árvore benfazeja que ampara os pobres e alivia seus sofrimentos.
O imbuzeiro, na
sua dura luta para sobreviver em clima hostil, também é símbolo do próprio
sertanejo, que é antes de tudo um forte, como escreveu o mesmo Euclides da
Cunha. O sertanejo luta diariamente para sobreviver, é obrigado a extrair seu
sustento pelos modos mais incríveis, é-lhe difícil e até heroico o que para
outros nada custa. Mas, assim como o imbuzeiro, sabe alegrar-se com o pouco que
tem e é capaz de festejar, com verdadeira alegria de alma, qualquer pequeno
agrado que, inesperadamente, lhe proporcione a mãe-natureza.
Quem vê o
imbuzeiro revestido de vitalidade, quando florido ou carregado de frutos, não
pode imaginar quanto esforço lhe custou aquela produção. Precisou, como um camelo
que atravessa desertos, conservar dentro de si, nos seus tubérculos, as
reservas de umidade que lhe garantiram a sobrevivência. E se alegra por poder
dispor dessas reservas, quando muitos outros seres vivos perecem à míngua de
água. Assim também, quem vê o sertanejo conversando, rindo e cantando ao som de
uma velha viola, esfuziante de júbilo porque caíram algumas gotas de água do
céu, não pode ter ideia de quanto lutou para poder adquirir o direito de, vez
por outra, iluminar o rosto com um sorriso.
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