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sexta-feira, 10 de setembro de 2021

Simbiose



Ivana Maria França de Negri

Era ela e o gato. Ninguém mais. Os dois se entendiam numa simbiose perfeita.
Pela manhã, enquanto fervia a água para o café, a moça colocava o leite no pires do gato. E ambos sorviam com gosto suas bebidas prediletas. Ela, o café fumegante e amargo, e ele, o leite morno e adocicado.
A mulher era escritora. Nos dias em que vinha alguma inspiração, não parava de digitar e seus dedos dedilhavam freneticamente as teclas do computador. Ficava por horas, às vezes dias, ali, como que hipnotizada, presa ao texto, entranhada nele. E o gato sabia, por pura intuição, que nesses momentos era melhor silenciar. Ficava num estado de semi-dormência na almofada da poltrona azul, ao lado da sua dona. Nada de pedir que ela suprisse suas carências e dengos.
 A sintonia entre os dois seres diferentes era tanta que um sabia o que o outro necessitava, se silêncio e sossego, ou algazarra e explosão de alegrias.
Ao longo de vários anos de convivência, ele aprendeu a compreendê-la e respeitava seus surtos de inspiração. Nesses momentos nem solicitava sua atenção. Sabia que quando a obra estivesse terminada, ela voltaria à normalidade, brincaria, faria afagos em sua barriga e conversariam como sempre faziam. Falaria palavras carinhosas e ele responderia com miados breves ou longos, conforme pedisse a situação.
Naquele relacionamento único, não cabiam mais pessoas ou bichos. Os dois se bastavam.
Bicho/gente, gente/bicho, em sintonia perfeita, dois seres diferentes, mas de um mesmo Criador.


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