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quinta-feira, 26 de dezembro de 2019

Wabi-sabi


Ivana Maria França de Negri

            Minha gatinha Fiona, numa de suas estripulias, derrubou e quebrou um vaso que era de minha mãe. Claro que não fiquei brava com ela, afinal, gatos são como crianças, adoram brincar, e acabam fazendo suas “artes” sem querer, inocentemente.
            Pois bem, esse vaso, bem antigo, em forma de ânfora, é azul com nervuras douradas, creio que pintado à mão. O que fazer?...
            Ouço as pessoas dizerem : “quebrou, joga fora”! Mas é um vaso tão lindo! Não existem mais peças trabalhadas como essa. Lembrei que minha irmã comentou certa vez sobre a visão dos japoneses acerca de coisas quebradas, lascadas ou trincadas. Eles aceitam esses objetos como portadores de uma beleza ímpar, apesar das imperfeições adquiridas. Representam a vida e sua transitoriedade. Guardam marcas, como nós e nossas rugas, manchas e cicatrizes que acumulamos ao longo da vida.
            Essas cicatrizes fazem parte de nossa história e esses objetos, contam histórias também! Um dia minhas netas contarão sobre o vaso quebrado e colado que era da bisavó e foi derrubado por aquela gatinha rajada e arteira da vovó.
            O músico canadense Leonard Cohen frequentou por muito tempo um retiro budista. Por essa influência, a letra de uma de suas músicas diz que em tudo há fissuras e é por elas que entra a luz. Então, objetos trincados são iluminados!
            Sabendo dessas coisas, não joguei o vaso fora e resolvi restaurar, um trabalho um tanto difícil porque algumas lasquinhas se perderam. Colei o que deu e preenchi com massa os espaços. Fiz o acabamento com verniz azul o mais próximo possível da tonalidade original e refiz as nervuras com tinta dourada e pincel fino.
            Pronto! Não ficou perfeito, mas esse vaso tem mais uma história familiar para contar, já que abrigou flores diversas em ocasiões festivas, pois era comum as moças receberem ramalhetes de flores. Quantas flores eu e minhas irmãs recebemos e foram colocadas naquele vaso pelas mãos habilidosas de minha mãe.
            Esse conceito japonês chama-se Wabi-sabi e sua essência está também na Ikebana, no Jardim Zen, no Bonsai, nas cerâmicas e na cerimônia do chá. Uma mesa de madeira maciça, que foi utilizada por várias gerações, tem talhos, lascas, marcas e fica mais bela quanto mais usada for. Torna-se uma mesa venerável, com muita história.
            Quando eles restauram um objeto quebrado, enaltecem a área danificada preenchendo as fissuras com pó de ouro, assim fica mais bonito e mais resistente do que era antes. Dão nome de Kintsugi a essa arte que simboliza o poder de dar a volta por cima.
            O tempo provoca desgastes em tudo, comprovando a brevidade da vida. Essa arte de restaurar e enaltecer as imperfeições, é uma metáfora da importância de resistir frente às adversidades. Não somos perfeitos e nem infalíveis.
            Em tempos de descartáveis, e de pessoas que só almejam corpos perfeitos, poder, riqueza e sucesso - o que acaba levando à depressão e até ao suicídio - um simples vaso quebrado pode trazer muitas lições, afinal somos vulneráveis, quebramos e somos colados centenas de vezes ao longo da vida.
            Obrigada gatinha, por me induzir à reflexão...








2 comentários:

  1. Nossa, Ivana, gostei de saber do wabi-sabi, da reflexão a partir do vaso quebrado sob a ótica desse conceito. E os animais, sempre nos ajudando, q oportuno ! Tivemos o gato Guga de meu sobrinho passando férias em casa, derrubou quebrando um vaso lindo, presente de bodas de ouro de meus pais.

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  2. Nossa, Ivana, gostei de saber do wabi-sabi, da reflexão a partir do vaso quebrado sob a ótica desse conceito. E os animais, sempre nos ajudando, q oportuno ! Tivemos o gato Guga de meu sobrinho passando férias em casa, derrubou quebrando um vaso lindo, presente de bodas de ouro de meus pais.

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