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sexta-feira, 26 de janeiro de 2024

Brincando no Trem

      


Cassio Camilo Almeida de Negri


            O menino devia ter uns sete anos.

Sete anos, número mágico na cabala, como sete são as notas musicais, as cores do arco-íris, sete são os céus e sete as camadas dos elétrons nos átomos.

Havia nascido no Brasil em 1935, filho de pais que se diziam alemães, mas se chamava Jacob.

Voltou com eles para a Alemanha em 1939, já sabendo falar o português fluentemente, além de ter também aprendido o alemão.

Agora estavam no trem, vagões sem bancos, amontoados todos os passageiros sentados no chão, sem saber para onde seriam levados.

Para o menino, era festa, pois andar e brincar de trem era o que ele mais gostava.

Lá fora, a paisagem cinzenta passava pela janela, as mais próximas, rapidamente, as mais distantes, mais lentamente.

Superdotado desde criança, com perspectivas de se tornar um novo Einstein, pois com essa idade já sabia fração, geometria e até derivadas e integrais.

Ia pensando porque as paisagens próximas tinham a velocidade relativa ao trem mais rápida, e as mais distantes eram mais lentas.

Imaginava o trem como tangenciando uma gigantesca circunferência, e as paisagens mais próximas, situadas num raio mais distante do centro e as paisagens mais distantes, mais próximas do centro dessa circunferência.  Assim poderia facilmente explicar esse fato banal e até fazer uma fórmula sobre isso.

Enquanto sua mente viajava pela matemática, lembrou de fazer xixi. Como não tinha onde fazer, a mãe recomendou que o fizesse no vão das paredes do vagão, que era de carregar gado.

Ele replica que não, pois devido à velocidade relativa do trem, que provocava uma ventania, o líquido descreveria uma parábola e voltaria ao vagão, molhando quem estivesse mais atrás.

Enquanto discutiam onde urinar, passou a vontade e ele viu uma placa á margem da ferrovia que dizia: Treblinka, 40 km. O trem apitava e já ia reduzindo a velocidade

O garoto perguntou o que significava Treblinka. E ela, já sabendo, mas não querendo contar-lhe a verdade, disse que era um lugar maravilhoso que os nazistas escreveram errado por não saberem direito o português, mas que significava um lugar onde só se brincava de trem.

A mente inocente do futuro gênio alegrou-se, e o pequeno sorriu, ansiando por lá chegar.

Chegaram ao som de uma música de Wagner. Entrou para o banho conjunto com a mãe e o pai.

E o mundo perdeu aquele que poderia ter sido o seu maior gênio...

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