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quarta-feira, 22 de janeiro de 2025

Metamorfose

 


Ivana Maria França de Negri

Às vezes, quando estou muito cansada, triste ou desencantada com a vida, imagino que me transformo em vapor d´água, numa fumacinha branca com densidade de nuvem.

Imóvel, imersa em imensa paz, cada átomo do meu corpo se desintegra e se liquefaz. E vou me tornando uma espuma borbulhante. Não mais existem ossos, nervos, tendões, músculos, vísceras ou carnes. Só espuma...

No início da transformação, sou uma substância viscosa, mais densa, mas aos poucos vou me purificando, me destilando e me tornando cada vez mais etérea.

A estrutura dos tecidos se modifica, meu corpo vai se metamorfoseando, se dissipando, mesclo-me às nuvens até me fundir com a imensidão do Universo.

Mudo de dimensão sem ter que passar por estágios dolorosos de doenças, sofrimento, UTIs, definhamento, caixões, flores, rezas, despedidas, missas, velórios, simplesmente desapareço sem deixar rastros. Num estalar de dedos, assim: “pluft!” e sou pulverizada.

Viro uma entidade do ar, não mais da terra. Leve, sem peias, sem grilhões, deixando para trás problemas, mágoas e dores. Como a água, que ao ser aquecida se transforma em vapor e passa do estado líquido para o gasoso.

Não preciso mais de lágrimas, sou a própria lágrima evaporada e me despeço das lutas do mundo.

Viro brisa perfumada na primavera, sopro morno no verão, aragem amena no outono e neblina gelada no inverno. Um vapor aquoso sem forma, que não pode ser contido.

Deito suavemente no travesseiro do tempo onde dormem os que sonham liberdades.

Mudar de estado vibratório é fascinante! Nas dimensões mais altas tudo é bem mais sutil e maravilhoso. Posso sentir o calor de um sol que vibra em minhas moléculas, uma quentura boa e relaxante. Não preciso mais ganhar dinheiro (pra quê?) nem trocar de roupa, nem comer, nem ler. Os livros que li e os que não li, estão todos impregnados nesta nova entidade puríssima.  Uma energia vibrante flui em mim. O sopro inicial da vida é minha essência. Sou fluídica, volatizada, e nesse estado de torpor intenso, consigo captar todos os segredos do Universo.

Vou deixando partes de mim pelo caminho...Gotas de orvalho numa flor, neblina numa densa floresta, gotículas espumosas numa onda de mar, vapor d´água num caudaloso rio, umidade fresca  num beijo de amor,

Sou nada e o nada me preenche. E assim, segura, intocável e imune às agressões e sofrimentos, sigo invisível pelos séculos e séculos, amém.

 

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