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sexta-feira, 15 de junho de 2012

O Sonho do Candangotodosnós

João Baptista de Souza Negreiros Athayde 
Cadeira n° 34 - Patrono: Adriano Nogueira

“Que os homens de amanhã que aqui vierem, tenham
 compaixão de nossos filhos, e que a lei se cumpra
 - 22/4/1959” - José Silva Guerra, operário (candango)
da construção de Brasília.

           
De repente, a insolência do passado
violenta a pátina
do concreto adormecido

Os escombros (cúmplices) vertem
atrevidos
rabiscos esquecidos (...mais que isso)
frases avulsas de passar o tempo
(...muito mais que isso)

Mais que arroubo lírico
de candango
cansado, suarento,
mal remunerado, talvez,

( era preciso, afinal, sobejar
 ao bornal das empreiteiras...)

Mais que simples recado
na agenda qualquer
das horas vagas
Mais que delírio da mente
desbotada na secura
do ar e do sol
Inclemências planando
sobre a cabeça candanga

Mais que tudo
muito mais
uma prece, um desejo talvez
talvez mesmo a esperança
quem sabe agora (...finalmente?)
o parto do sonho brasileiro

 (nem importava mais que a gestação da cidade
sangrasse instituições sagradas)

*

Ergue-se o pano!
Agora, ali
o ventre aberto do concreto
o recado/prece do candangotodosnós

(Ironia ferina percutindo
a secura dos ares)

Justo ali
os mesmos ares
a mesma secura do sol e do ar
a utopia nascendo possível
Grandes homens
homens Grandes
envolvidos todos
extenuados todos

(era sublime desenhar os contornos
de uma grande República)

Tarefa de gigantes
(homens Grandes
Grandes homens)
da secura dos mesmos ares
dos engodos da história...tantos
a alvorada nova para um povo
a alegria da esperança
o resgate da crença

(era divino, até, e tentador
 sonhar uma República de Verdade)

Grandes homens
homens Grandes
estafados de sedimentarem
alicerces perenes
a justiça para todos
a lei para todos
sobre todos
sobre tudo
igualdade

(a gravidez da Mãe-Pátria clamava
pela Verdade da República)

homens Grandes
Grandes homens
do amanhã
(oxalá estadistas)
frontes porejando luzes:
-(brio-verdade-honra)-
o ideal de patriamada
conduzindo o passo
A utopia ...ainda possível

( por estrela-guia – uma República
 para a posteridade – uma Nação)

**

Cai o pano
a pátina aberta em chaga
as entranhas do concreto
nuas
a nudez da história
o engodo da história
uma vez mais
madrasta
O sonho/prece
inerme
asfixiado
estiolado

(a secura do ar
e do sol...talvez ?)

A clausura no concreto
longa demais...
a mudez do concreto
longa demais...
a arquitetura do cinismo... sólida demais
a sanha lesa-pátria...escancarada demais
a utopia...nunca mais

O recado/prece agoniza
Restos de velada elegia
amortalhados
na secura do ar e do sol

O horizonte cinzento
desenha um epitáfio:

“O sonho do candangotodosnós
...natimorto”

(em meio à caminhada...
 era preciso a compaixão nos homens)

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