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segunda-feira, 11 de novembro de 2013

Mauá - O Imperador e o Rei

Armando Alexandre dos Santos
Cadeira n° 10 - Patrono: Brasílio Machado

Trata-se de um filme dirigido por Sérgio Rezende, figurando como atores principais Paulo Betti e Malu Mader. É interessante porque reconstitui uma época geralmente pouco focalizada pelo cinema brasileiro, mas é muito questionável do ponto de vista da fidelidade histórica.
Irineu Evangelista de Souza, Barão e mais tarde Visconde de Mauá, é, no filme, apresentado como herói, enquanto o Imperador D. Pedro II é mostrado como indolente, moleirão e até ridículo. Na realidade objetiva dos fatos, nem Mauá foi tão bonzinho, nem D. Pedro II merece essas críticas.
No Velho como no Novo Mundo, era bastante elevado o prestígio de que se revestia a figura de nosso monarca. Em consequência, era também muito alto o conceito do Brasil. Repetidas vezes o Imperador foi chamado a arbitrar pendências entre grandes potências mundiais.
Mauá era um empresário de larga visão e grande capacidade de trabalho, e a ele o Brasil muito deve, mas agia, de fato, como testa-de-ferro de interesses comerciais ingleses. Quando houve a famosa Questão Christie, isso ficou muito patente. Naquela contenda desencadeada em 1862 pela falta de tacto e pela imprudência do ministro inglês no Rio de Janeiro, William Dougal Christie, o Brasil saiu prestigiado e engrandecido.
O diplomata britânico, insatisfeito por não serem punidos, conforme desejava, policiais brasileiros que haviam prendido oficiais ingleses à paisana que, embriagados, faziam desordens nas ruas do Rio de Janeiro, enviou ao nosso governo violento ultimatum. Não sendo este atendido, ordenou que navios ingleses apresassem cinco embarcações mercantes brasileiras.
O Império não teria condições de sustentar uma guerra contra o Reino Unido. Mas venceu-o no campo diplomático. Sobretudo venceu-o moralmente.
A atitude do Imperador foi de firmeza total. Disse que preferia perder a coroa a mantê-la sem honra na cabeça. E recusou terminantemente qualquer negociação sob ameaça da esquadra inimiga, e enquanto não fossem devolvidos os barcos apreendidos.
Nessa hora, no Brasil inteiro houve uma explosão de indignação contra a Inglaterra.  Machado de Assis compôs uma poesia, desafiando os ingleses. Recordo uma das quadras: "Podes, vir, nação guerreira, / Nesta suprema aflição, / Cada peito é uma trincheira, /  Cada bravo é um Cipião".
Essa poesia, transformada em hino, foi cantada, num teatro do Rio de Janeiro, pela famosa atriz Eugênia Câmara, pela qual se apaixonara o poeta Castro Alves, e foi divulgada no Brasil inteiro.
Nesse momento, Mauá teve uma atitude pouco patriótica, que D. Pedro II jamais perdoou. Alarmado com a perspectiva dos prejuízos econômicos que ele e seus patrões ingleses teriam com o rompimento do comércio, logo procurou atuar como intermediário para restabelecer as negociações diplomáticas - sem ter sido para isso convidado por ninguém. No contexto em que tomou essa atitude ficava claro que seu interesse era favorecer mais os seus negócios do que o Brasil, e D. Pedro o rejeitou, respondendo: "Cuide o Sr. Mauá dos seus negócios, que do Brasil sei eu cuidar".
Christie achou mais prudente recuar. Os navios brasileiros foram logo devolvidos. O caso, confiou-se ao juízo de um árbitro imparcial - o Rei Leopoldo I, da Bélgica, tio da Rainha Vitória. E Christie foi chamado de volta a Londres, sendo substituído por outro diplomata mais sensato, e até simpático ao Brasil, Mr. Cornwallis Eliot.
Mas D. Pedro II não considerou encerrado o caso. O decoro nacional exigia uma satisfação condigna pela ofensa recebida. Como Londres não quisesse apresentar essa satisfação, seguiu-se o inevitável rompimento de relações. O ministro do Brasil em Londres, Carvalho Moreira (futuro Barão de Penedo), pediu seus passaportes e retirou-se da Ilha com toda a legação. E Mr. Eliot, por sua vez, foi convidado a retirar-se do Brasil, em junho de 1863.
D. Pedro foi absolutamente inflexível e determinou que, enquanto não fosse resolvida satisfatoriamente a questão, o Brasil não somente interromperia relações diplomáticas com o Império Britânico, mas também suspenderia todas as relações comerciais, ficando congelados todos os capitais ingleses aplicados no Brasil.
No mês seguinte, Leopoldo I proferia sentença favorável ao Brasil. A Inglaterra ainda relutou longamente em reconhecer que seu representante havia agido mal, e tentou restabelecer relações diplomáticas e, sobretudo, comerciais, sem pedir desculpas. Do ponto de vista econômico, é preciso dizer, não foram pequenos os prejuízos que sofreu o comércio inglês nos dois anos em que estiveram interrompidas as relações.
Afinal, ante a inflexibilidade de D. Pedro II, a Inglaterra acabou por ceder, e um emissário especial, Edward Thornton, foi enviado ao Imperador, para manifestar o quanto a Rainha Vitória lamentava todo o ocorrido e apresentar formalmente as desculpas do governo inglês.
Para cumprir sua missão, o emissário precisou deslocar-se até a tenda de campanha de D. Pedro II, no Extremo Sul do País, diante da cidade de Uruguaiana que as tropas brasileiras haviam acabado de reconquistar aos paraguaios.
Foi como vitorioso, e acompanhado de seus aliados argentinos e uruguaios, que o Imperador quis receber o pedido de desculpas da poderosa Grã-Bretanha.
Essa a origem do desentendimento entre Mauá e o Imperador. Quando, mais tarde, Mauá chegou à beira da falência, o Governo do Império teria podido socorrê-lo, mas não o fez. D. Pedro II considerou imoral usar dinheiro público para socorrer um investidor privado. E Mauá faliu.
Esses acontecimentos são escamoteados pelo filme, que apresenta Mauá como um idealista desinteressado e patriota, e D. Pedro II como um homem medíocre, invejoso e injusto. A verdade histórica é bem outra.

Há, para os conhecedores de História do Império, ainda outras impropriedades e anacronismos no filme, além de personagens inexistentes (como o Visconde de Feitosa), que o filme apresenta como se históricos fossem. Mas, no total, não deixa de ser um filme interessante. Dentre os atores, não destacaria nenhum como particularmente bem sucedido, a não ser, talvez, um ator secundário, que fez papel coadjuvante, que representou Mr. Carruthers, o patrão e depois sócio de Mauá. Era, talvez, o único que, a meu ver, parecia realmente um homem do século XIX. Quanto a Paulo Betti, sinceramente, ele me convenceu mais no papel de jagunço baiano, em Guerra de Canudos, do que no papel de Mauá.

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