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quarta-feira, 11 de novembro de 2015

Reminiscências de Piracicaba

Antonio Carlos Fusatto
Cadeira n° 6 - Patrono: Nélio Ferraz de Arruda
                                                                                 
De repente... abri a janela de minha vida e deparei-me com o entardecer de uma existência sexagenária.
No horizonte, nuvens doiradas pelo sol do dia que finda, uma brisa leve passeia pelas folhas das árvores embalando-as suavemente, a fragrância das flores no ar, incansáveis colibris em harmoniosa coreografia bailam de flor em flor, sobre a relva, intensa revoada de insetos e, tendo como fundo deste cenário, céu azul anil.
Nesse devaneio, o pensamento vagueia pelo tempo e direciona a atenção ora para o passado ora para o presente, a alma estremece, vibra diante das recordações, a sensibilidade é mais forte que palavras e sons; traz-me à lembrança a piracema do caudaloso Piracicaba, cardumes de peixes tentando transpor o Salto, como brocados enfeitando o Véu da Noiva; a velha ponte do Mirante com passarela de madeira; a guarita do guarda da Sorocabana cheia de cestos e jacás de bambus, construídos entre uma passagem e outra da “Maria Fumaça”, como forma de passatempo e reforço de salário; o jardim da ponte com suas frondosas árvores quase engolindo o coreto; as pescarias noturnas no Salto do Piracicamirim dentro da ESALQ; as chaminés do Engenho Central, soltando fumaças negras voluteando no ar; as cerâmicas da Rua do Porto, contrastando com a densa mata ciliar e harmonizando-se com a Vila dos Pescadores. Ouço o inconfundível sino do bonde, tocado pelo cobrador a cada passagem recebida, o berrante ao longe anunciando a chegada de mais uma boiada com destino ao matadouro, as melodias das orquestras tocando no Clube Coronel Barbosa, o som ensurdecedor dos teares da Fábrica de Seda, na Vila Rezende, e da Fábrica Boyes, o apito do trem chegando às 22:00 horas na Estação da Paulista, a alegria da garotada ora brincando nas águas do cristalino Itapeva, ora jogando futebol com bola de borracha, bolinhas de gude, rodando pião, corrida de pega-pega; entre tantas outras brincadeiras.
As meninas brincando de roda e cantando canções folclóricas hoje quase totalmente esquecidas, pulando corda, amarelinha, entre outras.
De repente... volto ao presente: o velho Piracicaba, qual esqueleto leuquêmico, curvado sob o peso da poluição, carregando toneladas de resíduos.
O jardim da Ponte não mais existe, o negrume do asfalto contrastante com a alvura das edificações, todo o verde foi engolido... E a velha “Maria Fumaça”? O bonde? O troar das boiadas na ponte? O cheiro gostoso de garapa do Engenho Central? O bosque da Casa do Povoador, com seu murmurante regato? Os saraus dançantes com famosas orquestras? O encontro da boemia nas madrugadas, no Bar Bola Sete?
Das cerâmicas da Rua do Porto, somente altivas chaminés persistem no tempo, como dedos da natureza em riste, denunciando o homem por suas agressões nefastas.
Ah! Que nostalgia, que poder de juventude carrega meu coração; pulsa entusiasmo.
O tempo, na minha memória, vibra a emoção misteriosa das noites de luar, a estender résteas de pratas pelas árvores, telhados e o rio, os acordes de violões seresteiros nas madrugadas frias, bailes juninos nos terreiros, muitas vezes à luz de lampiões, as brincadeiras com busca-pés e os bate-papos até altas horas da noite.
Essas emoções ou ansiedades povoam o meu espírito, dando-me a sensação de que vivo perenidades.
Empolgado, o arrebatamento leva-me a cantarolar meio desafinado alguns boleros; enquanto irradima ainda mais minhas emoções.
O passado deixou saudade, nostalgia, há canções que machucam o coração, pela poesia e ritmo das notas musicais.
Como é interessante o subjetivismo humano!
Em meu peito permanece a nostalgia de ontem, o que será amanhã?
Recomponho na mente todo o itinerário percorrido nas asas do tempo, e sinto que, no âmago do meu ser, ainda palpita forte a juventude, ainda há um garimpo de energias vitais.
Minh’alma é um relicário guardando inúmeros papéis, sou mais um protagonista no belo espetáculo da vida, cujo palco é o mundo e o tempo interminável.

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