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sexta-feira, 6 de novembro de 2015

Saudade

 Acadêmica Myria Machado Botelho
Cadeira n° 24 - Patrona: Maria Cecília Machado Bonachella

            É uma caminhada que machuca. A morada dos mortos, aquele silêncio, apenas entrecortado pelo canto dos pássaros e o farfalhar do vento por entre os arbustos, leva-nos   à  única certeza, a da  transitoriedade, pequena para uns, mais longa para outros, porém sempre dentro  de limites que não nos pertencem.
            “Omnes símiles sumus”:  uma igualdade que deveríamos considerar, caminhando por essas ruas estreitas , ladeadas por túmulos suntuosos e humildes em que os mortos, de todas as idades, crianças, jovens, idosos, de todas as condições sociais, todos eles reduzidos ao pó, todos eles igualados em mesmíssima  situação.  Talvez se pudessem, teriam a nos dizer  muitas coisas, inclusive alertando sobre a melhor forma de nos conduzirmos entre os viventes.  Porque não  buscar o melhor que possuímos dentro de nós mesmos, e não trazer  essa igualdade, através do amor que expulsa  o ódio,  o apego exagerado  aos bens materiais, a avareza, a cobiça, a inveja, a mentira , a traição, a ingratidão, a perfídia, o conflito que leva à divisão, ao preconceito, ao crime , ao assassinato e às guerras, ao sofrimento e à pior de todas as mortes, a morte da própria alma? Se não sabemos nada, absolutamente nada, sobre o  que nos espera no próximo momento , qual o motivo de tanta sofreguidão, de tantos planos para o futuro incerto, de tantos esforços inúteis? Porque o Senhor  da vida não avisa quando vem  e pode surpreender , antecipando-se ou postergando a sua vinda.  E é muito bom que assim seja, e seria intolerável  se soubessemos.
            É claro que não podemos viver em função da morte, pois que a vida é bela e digna de ser vivida, mas é preciso ter presente a noção de que nada nos pertence por inteiro e que, como os pássaros e as flores, temos o dever de criar a harmonia  que une, que congrega, embeleza e ameniza.  Uma utopia ?  pode ser. 
            À sombra de um pé de murta ( e elas são numerosas nos cemitérios), ao lado do túmulo de meu filho , eu orei  e chorei..  Nem sei quanto tempo meditei e me detive sobre sua história tão entrelaçada com as histórias dos que ali vieram ter, antes dele.  Seus avós, seus tios, seu pai  que ele tanto amou, pois esse amor foi sua maior e mais bela lição .  Com todos seus rompantes que escondiam um coração doce e compassivo, meu filho foi surpreendido num momento inesperado, depois de vencer uma batalha  que a todos parecia quase  insuperável.   Batalha que vencemos juntos, através de uma ajuda recíproca que teve, certamente, a mão de Deus. Ele foi estoico, forte, corajoso e digno, uma presença marcante.  Humano e sensível , inteligente, espirituoso, dotado de uma arte que hoje escasseia- a da conversação entreverada de “causos “, principalmente da família e do avô paterno que venerava, sem deixar de enxergar as limitações, ele sabia narrar como ninguém, através da memória , da imitação e do jeito de acentuar o lado  jocoso.
            Hoje, longe de sua presença física, restou-me a recordação desses bons momentos , porque  os transes dolorosos, eu faço tudo para esquecer, inclusive a brutalidade  de um desfecho que jamais imaginei  pudesse atingir -me. Uma resposta que teremos a seu tempo.

Nesta manhã de céu muito azul, perfumada pela murta florida , ornada pelo canto dos pássaros que ali fizeram seus ninhos , uma saudade intensa  me une a tantos que também choram  seus entes queridos  e agora experimentam a paz dos justos. E para nós, pais e mães, surpreendidos numa situação inversa, a de sepultar seus próprios filhos, a certeza do reencontro prometido por Jesus Cristo! 

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