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domingo, 8 de maio de 2016

Conto para o Dia das Mães

Antonio Carlos Fusatto
Cadeira n° 6 - Patrono: Nélio Ferraz de Arruda
                

Tudo começou com uma visita a um lugar que abriga pessoas idosas. Em nossa normal curiosidade, começamos a questionar, tentando entender porque tantos idosos ali concentrados!
Não teriam família, filhos, netos? Ou qualquer pessoa que pudesse compartilhar com eles um pouco do aconchego e carinho de um lar?
Foi quando chamou-nos a atenção a figura enigmática de uma senhora; idosa como os demais, mas com um magnetismo diferente dos outros; forçando-nos constantemente a voltar o olhar para aquela misteriosa mulher. Devido a nossa indisfarçável curiosidade, alguém nos confidenciou: “Está meio gagá...” “É o tempo...”, outras diziam. E outras, ainda: “De há muito foi deixada aqui... Ela é bastante velha apesar de não aparentar tanto. Dizem que foi muito rica e poderosa, estudou até no exterior”.
Passamos então, a observá-la melhor: ora olhava as pessoas como se não existissem; outras vezes, seu olhar triste, cansado, perdia-se na contemplação do vazio. Parecia até que lembranças de um passado distante convulsionavam-se em sua mente, como se coisas proibidas pudessem desnudar segredos pelos quais devaneava sua alma sofrida.
            Aproximamo-nos dela e não pudemos conter a curiosidade em saber-lhe o nome... Um leve rubor deixou transparecer, na face mutilada pelo tempo, mas cujos traços deixavam nítida uma beleza de outrora; um par de olhos azuis parecendo águas-marinhas, incrustadas num rosto macilento, à sombra de vário bucres brancos que adornavam-lhes a cabeça, emoldurando a alva tez.
            Muitos a tinham visto sorrindo demoradamente ao pôr-do-sol, até adormecer por algum tempo, recostada ao tronco de sua árvore preferida, deixando transparecer em seus lábios um sorriso quase infantil.
            “É a saudade!” diziam os que a conheceram anteriormente. Talvez saudade de uma infância perdida no tempo... Ela, mulher, mãe e avó, também fora criança, jovem e tivera uma mãe.
            Várias vezes visitamos aquela senhora, agora atraído mais pelo estranho magnetismo que pela curiosidade.
            Aos poucos ganhamos sua amizade e tornamo-nos confidentes dela. Seu nome? Não importa, passamos a chamá-la carinhosamente de vovó.
            Contou-nos fatos de sua infância e adolescência, passadas numa fazenda a região, de suas viagens para estudar, de seu casamento até a viuvez, dos trabalhos sem esmorecimento para criar e educar os filhos, hoje todos com família constituída. Enquanto tivera algum capital para distribuir aos filhos e disposição para cuidar dos netos, fora tolerada, mas, na medida que os anos foram se acumulando, e doenças minando-lhes as forças, foi por eles abandonada, e a família resolveu interná-la naquele local. A princípio, amiúde a visitavam, mas com o passar do tempo esqueceram-na completamente.
            Em minha cabeça, naquele momento, um turbilhão impedia-me de entender tanta desventura.
            Quantas noites a pobre anciã chorou e gemeu em sua solidão?...
            Num certo domingo de maio, voltamos a visitá-la para levar algumas guloseimas, e a encontramos em seu leito bastante debilitada.
            Brancas madeixas emolduravam um rosto ainda altivo, apesar da doença, deixando transparecer que, aquela mulher fora realmente uma figura bela, cheia de vida e energia.
            Olhou com espanto e emoção para os pacotes depositados sobre a cama e, de repente em lágrimas, balbuciou algumas frases quase sussurrando; beijou as mãos deste visitante, os embrulhos e todos os que estavam a sua volta.
            Com certa dificuldade, voltou a balbuciar quase monologando: “Neste dia, a maioria das mães ganham presentes e carinhos redobrados dos filhos, outras só decepções, algumas choram de saudade porque também são filhas, outras escondem o pranto no sorriso”.
            Confidenciou que durante o sono, havia sonhado o regresso junto aos seus filhos e, que na casa havia grandes preparativos para recebê-la e comemorarem o DIA DAS MÃES. Sorria envaidecida com os carinhos recebidos dos netos, que dia maravilhoso estava passando, os preparativos se intensificavam, o aroma da comida caseira tomava conta do ar, fitas multicores, papéis para embrulhar presentes, risos e algazarras dos netos enchiam o casarão do sonho...
            Estava cada vez mais fraca, mas teimava em descrever o sonho minuciosamente. Coisa incrível! Ante a evidência do que se descortinava, ela se mostrava agora com uma felicidade transcendente, como se pressentisse a aventura que estava para começar...repentinamente tudo acabou... junto com o vento que entrava pela janela, foram-se os últimos suspiros da querida “Vovó”.
            De não muito longe, chegavam os acordes do sino do campanário, chamando os fiéis para a missa e a meditação.
            Exceto eu, somente as nuvens choravam neste momento; uma chuva fina e persistente lambia os vidros das janelas, enquanto o vento, seu companheiro de todos os dias, insistia em entrar novamente, querendo talvez dar um último passeio pelo quarto.
            Um anônimo abriu uma cova no Solo Santo, que serviu-lhe de morada final, enquanto a chuvinha fria fustigava as poucas pessoas que, qual sombra no ocaso, deixavam o local silenciosamente.
             E hoje, quantas mães ainda continuam sozinhas e abandonadas pelos filhos? Quantos ainda choram e se revolvem na solidão? Quantas sonham em abraçar os filhos e dizer-lhes: ‘Valeu meus queridos, eu vos amo muito... muito..., muito!...  

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