A
Gramática, queira-se ou não se queira, é sempre um osso duro de roer. É sempre
desagradável o seu ensino e, ainda mais, o seu aprendizado. Deve-se, pois,
proceder da forma clássica como se faz tudo o que é difícil na vida:
disfarçando sua dureza.
Disfarçar a dureza, no caso, não se trata de enganar o aluno ou o próprio
sistema de ensino, adotando artifícios fraudulentos ou mentirosos. Mas trata-se
de, chãmente, fazer envolver a pílula de amargo remédio numa fina camada de
açúcar, que a torne, aos olhos do paciente, como similar ou análoga a uma bala,
a um confeito apetecível. Tanto quanto possível, pois, o professor deve fazer o
processo de ensino/aprendizado se aproximar do modelo lúdico, adotado em jogos
e brincadeiras. Quanto mais ele consiga isso, tanto mais seus alunos poderão se
entusiasmar pelo processo e, assim, aprenderem a rebarbativa e assustadora
Gramática.
A
experiência demonstra que é sempre útil trabalhar com textos, para, a partir
deles, serem abordados os temas gramaticais. Se é assim, procurem-se textos
interessantes, atraentes. Procurem-se coisas da vida concreta, que apresentem
problemas que façam os discentes se sentirem concernidos e envolvidos de
imediato. Letras de música, crônicas ligeiras, textos humorísticos, cartas,
notícias de imprensa, tudo isso são coisas que, para um professor hábil,
fornecem matéria útil para a abordagem em sala de aula de temas gramaticais.
Além do texto em si, também o modo de abordá-lo pode, muitas vezes, fazer a
diferença. Há que abordá-lo de modo inteligente e atrativo, tanto quanto
possível dando aparência lúdica, de entretenimento, de desafio, à matéria
explanada. É aí que a criatividade, a inventividade, a capacidade de improvisação
de um docente se coloca à prova.
Lembro
que certa vez eu estava, na Escola do Escritor, de S. Paulo, ministrando um
curso de criatividade literária, e eu recomendava que os exercícios de
criatividade, quando realizados em grupo, tomassem o aspecto de animadas
brincadeiras. De repente uma das alunas − no caso concreto, uma senhora de mais
de 70 anos − me interrompeu e contou um caso de sua adolescência, o qual,
segundo ela, tinha marcado toda a sua vida. E relembrou um acampamento de
meninas bandeirantes (escoteiras), de que participara aos 12 anos de idade.
Chovia torrencialmente, de modo que as meninas não podiam sair das barracas.
Como estavam tristonhas e deprimidas, a monitora, muito experiente e jeitosa,
propôs uma brincadeira especial para ser feita dentro da barraca, que seria,
garantia, muito mais interessante do que brincar como sempre faziam. Diante da
curiosidade das meninas, a monitora declarou que tinha um romance inteirinho
pensado, na sua cabeça, e que desafiava todas a descobri-lo. Podiam todas fazer
as perguntas que quisessem, e ela apenas responderia sim ou não. Nada mais.
As
meninas se animaram e puseram-se logo a fazer perguntas. E a mestra ia
respondendo sim ou não. E assim, durante três ou quatro horas, entregaram-se
todas aquelas cabecinhas, febrilmente, ao exercício conjunto de criarem um
romance, acreditando piamente que estavam apenas descobrindo algo que a
professora já tinha pensado. Atuou, sem dúvida, uma forte dinâmica de grupo e a
brincadeira deu certo. Articulou-se pouco a pouco um enredo maravilhoso, cheio
de pormenores interessantes, de problemas até profundos, de suspenses
fascinantes. Só no final, quando todas as meninas estavam encantadas com aquela
brincadeira nova, a monitora lhes revelou a verdade: não existia romance algum
na sua mente, as meninas é que tinham criado aquela história encantadora...
A
senhora recordava, seis décadas depois, até meio emocionada, esse fato que a
marcara profundamente. Parece-me um ótimo exemplo de como se pode, com
inteligência e jeito, transformar um exercício penoso em algo agradável. Se a
monitora tivesse proposto diretamente que compusessem um romance, é claro que
todas se teriam desinteressado ou desviado do foco adequado.
Monteiro
Lobato tem um livro, “Emília no país da Gramática”, em que tenta aplicar o
método lúdico para o ensino da Gramática. Eu apenas ressalvaria que esse livro
é um tanto iconoclasta, um tanto irreverente em relação às normas gramaticais,
apresentadas como ridículas e meras convenções sem razão de ser. Mas, enquanto
método, é ótimo.
Também Malba Tahan, o genial escritor fluminense, conseguia prodígios ensinando
Matemática com método lúdico. Seu livro mais famoso é o clássico “O homem que
calculava”, grande sucesso editorial ainda em nossos dias. O mesmo autor
publicou dezenas de outras obras menos conhecidas, muitas das quais destinadas
ao ensino prazeroso e lúdico da Matemática. Por que os professores de Gramática
não tentam transpor, para sua área específica, a genialidade pedagógica que Malba
Tahan usou na Matemática?
Nenhum comentário:
Postar um comentário