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terça-feira, 10 de maio de 2016

Método lúdico para o ensino da Gramática

Armando Alexandre dos Santos
Cadeira n° 10 - Patrono: Brasílio Machado


A Gramática, queira-se ou não se queira, é sempre um osso duro de roer. É sempre desagradável o seu ensino e, ainda mais, o seu aprendizado. Deve-se, pois, proceder da forma clássica como se faz tudo o que é difícil na vida: disfarçando sua dureza.
Disfarçar a dureza, no caso, não se trata de enganar o aluno ou o próprio sistema de ensino, adotando artifícios fraudulentos ou mentirosos. Mas trata-se de, chãmente, fazer envolver a pílula de amargo remédio numa fina camada de açúcar, que a torne, aos olhos do paciente, como similar ou análoga a uma bala, a um confeito apetecível. Tanto quanto possível, pois, o professor deve fazer o processo de ensino/aprendizado se aproximar do modelo lúdico, adotado em jogos e brincadeiras. Quanto mais ele consiga isso, tanto mais seus alunos poderão se entusiasmar pelo processo e, assim, aprenderem a rebarbativa e assustadora Gramática.
A experiência demonstra que é sempre útil trabalhar com textos, para, a partir deles, serem abordados os temas gramaticais. Se é assim, procurem-se textos interessantes, atraentes. Procurem-se coisas da vida concreta, que apresentem problemas que façam os discentes se sentirem concernidos e envolvidos de imediato. Letras de música, crônicas ligeiras, textos humorísticos, cartas, notícias de imprensa, tudo isso são coisas que, para um professor hábil, fornecem matéria útil para a abordagem em sala de aula de temas gramaticais.
Além do texto em si, também o modo de abordá-lo pode, muitas vezes, fazer a diferença. Há que abordá-lo de modo inteligente e atrativo, tanto quanto possível dando aparência lúdica, de entretenimento, de desafio, à matéria explanada. É aí que a criatividade, a inventividade, a capacidade de improvisação de um docente se coloca à prova.
Lembro que certa vez eu estava, na Escola do Escritor, de S. Paulo, ministrando um curso de criatividade literária, e eu recomendava que os exercícios de criatividade, quando realizados em grupo, tomassem o aspecto de animadas brincadeiras. De repente uma das alunas − no caso concreto, uma senhora de mais de 70 anos − me interrompeu e contou um caso de sua adolescência, o qual, segundo ela, tinha marcado toda a sua vida. E relembrou um acampamento de meninas bandeirantes (escoteiras), de que participara aos 12 anos de idade. Chovia torrencialmente, de modo que as meninas não podiam sair das barracas. Como estavam tristonhas e deprimidas, a monitora, muito experiente e jeitosa, propôs uma brincadeira especial para ser feita dentro da barraca, que seria, garantia, muito mais interessante do que brincar como sempre faziam. Diante da curiosidade das meninas, a monitora declarou que tinha um romance inteirinho pensado, na sua cabeça, e que desafiava todas a descobri-lo. Podiam todas fazer as perguntas que quisessem, e ela apenas responderia sim ou não. Nada mais.
As meninas se animaram e puseram-se logo a fazer perguntas. E a mestra ia respondendo sim ou não. E assim, durante três ou quatro horas, entregaram-se todas aquelas cabecinhas, febrilmente, ao exercício conjunto de criarem um romance, acreditando piamente que estavam apenas descobrindo algo que a professora já tinha pensado. Atuou, sem dúvida, uma forte dinâmica de grupo e a brincadeira deu certo. Articulou-se pouco a pouco um enredo maravilhoso, cheio de pormenores interessantes, de problemas até profundos, de suspenses fascinantes. Só no final, quando todas as meninas estavam encantadas com aquela brincadeira nova, a monitora lhes revelou a verdade: não existia romance algum na sua mente, as meninas é que tinham  criado aquela história encantadora...
A senhora recordava, seis décadas depois, até meio emocionada, esse fato que a marcara profundamente. Parece-me um ótimo exemplo de como se pode, com inteligência e jeito, transformar um exercício penoso em algo agradável. Se a monitora tivesse proposto diretamente que compusessem um romance, é claro que todas se teriam desinteressado ou desviado do foco adequado.
Monteiro Lobato tem um livro, “Emília no país da Gramática”, em que tenta aplicar o método lúdico para o ensino da Gramática. Eu apenas ressalvaria que esse livro é um tanto iconoclasta, um tanto irreverente em relação às normas gramaticais, apresentadas como ridículas e meras convenções sem razão de ser. Mas, enquanto método, é ótimo.
Também Malba Tahan, o genial escritor fluminense, conseguia prodígios ensinando Matemática com método lúdico. Seu livro mais famoso é o clássico “O homem que calculava”, grande sucesso editorial ainda em nossos dias. O mesmo autor publicou dezenas de outras obras menos conhecidas, muitas das quais destinadas ao ensino prazeroso e lúdico da Matemática. Por que os professores de Gramática não tentam transpor, para sua área específica, a genialidade pedagógica que Malba Tahan usou na Matemática?

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