Carlos Moraes Júnior. Cadeira no 18 |
Eis que se fez a versão zoomórfica do homem cúbico, ordenado em colunas iguais, frias e prosaicas. Edifícios aleatórios que formam um verdadeiro caudal de prisões individuais, gaiolas personalizadas, nas quais se quedam, impiedosamente, os prisioneiros da mesmice do cotidiano. Uma prisão regular, entremeada de laivos de liberdade vigiada, pelos olhos famélicos da violência, pelos sussurros soturnos dos dizeres misteriosos, que sempre seguem o prisioneiro falsamente liberto, em horas estudadas, legalmente estruturadas para que seu penar seja longinquamente suportável.
E tudo, para que, depois do anoitecer, ele se sinta aliviado e seguro, novamente, dentro de sua gaiola de ferro e vidro. Gaiolas que encerram seres tão diversos, sentimentos tão desconexos e comportamentos estranhos e mesmerizados. Gaiolas de prazer, que levam seus ocupantes às torrentes apaixonadas e mecânicas do sexo, da televisão, da pipoca e do chocolate. Prazeres ocultos no fast-food, na pizza e no catchup! Gaiolas de ilusão, que levam milhares e se debaterem dentro dos carros ensangüentados, nas praias emporcalhadas e no interior de outras gaiolas luminescentes, coloridas e perfumadas. Gaiolas das baladas ou gaiolas das loucas madrugadas, das estonteantes noitadas regadas à uísque, ecxtasy, mulheres seminuas e risos falsos da alegria reprimida. São gaiolas de loucura, que levam a planetas desconhecidos e inóspitos, numa viagem sem volta que convida ao grito e à taquicardia!
Gaiolas do saber, nas quais, enclausurados e atentos, os pequenos autômatos repetem as palavras e conceitos, que devem servir para diminuir o desgaste e o pavor impostos pelo meio, e mais, para tentar definir, interpretar e inventar resposta para o vazio gerado pelo cotidiano. Gaiolas de escravidão, com turnos severos e iguais de oito horas, revezadas entre dias e noites sempre intermináveis. Trabalho intenso que não leva a lugar nenhum, não traz prazer e nem riqueza. Somente a certeza de que um autômato nasceu para ser desta forma e morrerá ouvindo as mesma surradas e idiossincrásicas verdades, herdadas de outros iguais, que repetiram, sem questionar, o mesmo modus vivendi.
Gaiolas de castas, amontoadas como coisa inservível, penduradas acima das gaiolas onde sorriem os ricos cada vez mais ricos. Gaiolas da maioria cor de quase noite, massacrada pelo ódio social, acossada por mazelas de toda sorte, a provar que não existe lugar neste mundo para aqueles que pertencem à casta dos pobres, a não ser, quem sabe, num trabalho insalubre e desumano, com carimbo de escravidão, que levará ao desespero e à certeza de continuar cada vez mais miserável.
Gaiolas de incerteza, de dúvidas sem respostas. Cubículos de dois metros quadrados onde dormem, fedem e agonizam centenas de maltrapilhos, chaga que todos querem esquecer, estatística resultante de outra estatística maior, egocêntrica e insolúvel. Gaiolas de solidão, de falta de humanidade. Gestos de repulsa, de neurose e de estertor. Gestos que levam a comportamentos inusitados, que fazem, de vez em quando, um autômato com um parafuso a menos, talvez, resolver experimentar a distância até o chão. A falta de lógica para tal ato tresloucado, faz dele o próprio sentido da existência, na busca da morte para encontrar a vida. A parecença desse vôo será porventura a fuga da ave cativa de sua gaiola, na esperança de experimentar, ilusoriamente, em outro plano, a tão sonhada liberdade.
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