Ivana Maria França de Negri - Cadeira n° 33 Patrono: Fernando Ferraz de Arruda |
“Velha feiticeira prestes a se aposentar, vende apetrechos de magia. Cansada de criar poções miraculosas, passa o ponto oferecendo negócio de ocasião.
Vende uma varinha de condão, já bastante usada, mas que ainda concede alguns dons, tais como amenizar saudades doloridas, reacender a chama de antigas paixões ou realizar pequenos sonhos.
Troca vassoura voadora em bom estado, por um jatinho, moto, até mesmo um fusquinha conservado serve.
Permuta centenas de apostilas de feitiçaria por uma coleção de livros de Paulo Coelho.
Vende, pela melhor oferta, um caldeirão enferrujado e uma cartola que ainda faz saltar um ou outro coelho branco de vez em quando. Ultimamente endoideceu e só saem de dentro dela sanguessugas, ratos e urubus, que procriam como peste”.
Estou cansada, muito cansada. Já não consigo, como antigamente, resolver os problemas das pessoas que me procuram. Não tenho remédio contra a maldição dos corruptos porque isso está além das forças de uma bruxa honesta. Também não tenho poção contra mensalão, valeriodutos, dólares em cuecas, esquemas, máfias, propinas e subornos como me solicitam. Os pedidos se multiplicaram e minha varinha tornou-se impotente contra essa arrasadora epidemia que assola o país.
Não tenho outra opção, a não ser me aposentar, para não sair completamente desacreditada. Contra esses bruxos novos, chamados de políticos, não há magia ou encanto que resolva. O feitiço deles é tão forte que está fora do campo de ação de uma bruxa decente. Não dá para desmascarar tantas falcatruas. Eles são mestres em ludibriar. A porta de entrada para o mundo da magia que criaram chama-se voto. São milhares de votos de pessoas incautas que os colocam lá no topo da hierarquia e eles podem atuar como bem entenderem depois que atingem essa meta. Não há encantamento, feitiço ou magia, por mais poderosos que sejam, que impeçam os corruptos de agirem.
Por isso, aposento-me, e não levo nem varinha e nem caldeirão, nem vassoura e nem chapéu. Desfaço-me de todos os amuletos e receitas de poções. Estou falida porque não possuo antídotos para tanta mandinga ruim. Cansei. A coisa chegou a um ponto que nem magia resolve. Pois se nem sei mais transformar tristeza em alegria, um feitiço básico que aprendi no início do curso de bruxaria.
Minha mágica não produz mais efeito. Agora, só milagre! Vou fazer uma lipo, uma boa plástica, uma recauchutada geral. Pretendo tornar-me “amiga” de algum figurão para levar uma vida mansa, andando de jatinho particular, e descansando em algum paraíso fiscal, pois ninguém é de ferro, nem mesmo uma bruxa recém-aposentada como eu.