Marisa Bueloni
Uma
noite destas será Natal. Para mim, para você, para os que sonham. Para os
construtores da aurora, para os autores da luz.
Uma
noite destas pode ser a hora, pode ser agora, me dê a sua mão. Numa noite
destas, haverá festas sem fim. Faço parte da cena, a mais bela que já vi. Eu
estive nela e nunca mais saí.
A
verdade é que, numa noite destas, cravarei no meu peito mais um poema de
saudade, aquela dos anos sessenta, a juventude saindo pelos poros, a vida e seu
futuro.
Então, envolta em névoas, penetro mansamente
no sonho do passado, a calça boca de sino e o colar de couro. Ainda hoje, uso e
abuso das saias indianas, pulseiras, brincos, uma releitura riponga que me
renova o corpo e a alma.
A
alma precisa de tempo, tempo de dizer que você me inspira a lua mais bela, a
noite sem medos e a canção infinita. O mundo trepidava. Do you wanna dance? E
num baile cuba-libre, éramos livres para praticar a esperança.
Você
me tomou em seus braços e éramos feitos da mesma matéria dos sonhos. Matéria
frágil. Este lado virado para cima. Cuidado! Soltei a sua mão e me perdi pelo
salão. Eu queria plantar uma árvore, escrever um livro, ter um filho. A árvore
não vingou, meu livro encalhou por aí. Só as filhas brilham. Envelheci na
cidade. Feliz aniversário para mim que já não tenho idade.
Dá
para ver que se trata de uma poesia recorrente, mística e arrebatadora? É que
meu coração pequenino, num átimo de temor, ouve o badalo de um sino. Um sino ou
um tambor? Seria o rufar do destino, a luta, o desatino, o som confuso da dor?
Tambor ou sino, sino ou tambor? Que som é esse, Senhor? Badala o sino
grandioso, troa o tambor furioso, são anjos justiceiros, suponho, em terror.
Trazem as taças divinas, abrem os livros lacrados, vestem-se de dourados, que
terrível, que esplendor!
Que
dias, que dias! Ao som destas melodias, batidas no bronze e no surdo das
algaravias. Desperta minha alma curiosa, desperta uma rosa. Dorme, flor
jardineira, que a Hora não é chegada. Não é dia ainda, é madrugada. Dorme, rosa
do tempo, e deixa que rufem tambores, que sonhem os sonhadores, que badalem os
sinos, eloquentes. Cuida, rosa querida, que despertem as gentes.
Meu
coração pequenino, às vezes, ouve um sino que badala nas alturas, que se ouve
nas lonjuras, pentagrama de ternuras. Ah, que sino, Senhor! Meu coração
pequenino, às vezes, ouve um tambor, que soa como um estrondo, que bate um
bumbo redondo e para ele respondo: Eis, vem chegado o Amor!
Numa noite
destas, será Natal. Buscarei seu olhar cúmplice, a beleza do que existe agora,
do que nasce a cada instante. Nossas mãos se tocarão à meia-noite, na distância
que também fala e diz as afetuosas e benditas palavras. Já não são frases de
praxe, mas de um significado novo.
Eu
sonho o Natal, canto o Natal de Jesus, quero anunciar do alto dos telhados a
boa nova do Salvador. Faço isso todos os anos, querido leitor. E para você, um
santo e feliz Natal. Cheio de amor.