Trata-se de um
filme dirigido por Sérgio Rezende, figurando como atores principais Paulo Betti
e Malu Mader. É interessante porque reconstitui uma época geralmente pouco
focalizada pelo cinema brasileiro, mas é muito questionável do ponto de vista
da fidelidade histórica.
Irineu
Evangelista de Souza, Barão e mais tarde Visconde de Mauá, é, no filme,
apresentado como herói, enquanto o Imperador D. Pedro II é mostrado como
indolente, moleirão e até ridículo. Na realidade objetiva dos fatos, nem Mauá
foi tão bonzinho, nem D. Pedro II merece essas críticas.
No Velho como no
Novo Mundo, era bastante elevado o prestígio de que se revestia a figura de
nosso monarca. Em consequência, era também muito alto o conceito do Brasil.
Repetidas vezes o Imperador foi chamado a arbitrar pendências entre grandes
potências mundiais.
Mauá era um empresário
de larga visão e grande capacidade de trabalho, e a ele o Brasil muito deve,
mas agia, de fato, como testa-de-ferro de interesses comerciais ingleses.
Quando houve a famosa Questão Christie, isso ficou muito patente. Naquela
contenda desencadeada em 1862 pela falta de tacto e pela imprudência do
ministro inglês no Rio de Janeiro, William Dougal Christie, o Brasil saiu
prestigiado e engrandecido.
O diplomata
britânico, insatisfeito por não serem punidos, conforme desejava, policiais
brasileiros que haviam prendido oficiais ingleses à paisana que, embriagados,
faziam desordens nas ruas do Rio de Janeiro, enviou ao nosso governo violento
ultimatum. Não sendo este atendido, ordenou que navios ingleses apresassem
cinco embarcações mercantes brasileiras.
O Império não
teria condições de sustentar uma guerra contra o Reino Unido. Mas venceu-o no
campo diplomático. Sobretudo venceu-o moralmente.
A atitude do
Imperador foi de firmeza total. Disse que preferia perder a coroa a mantê-la
sem honra na cabeça. E recusou terminantemente qualquer negociação sob ameaça
da esquadra inimiga, e enquanto não fossem devolvidos os barcos apreendidos.
Nessa hora, no
Brasil inteiro houve uma explosão de indignação contra a Inglaterra. Machado de Assis
compôs uma poesia, desafiando os ingleses. Recordo uma das quadras: "Podes,
vir, nação guerreira, / Nesta suprema aflição, / Cada peito é uma trincheira, /
Cada bravo é um Cipião".
Essa poesia,
transformada em hino, foi cantada, num teatro do Rio de Janeiro, pela famosa
atriz Eugênia Câmara, pela qual se apaixonara o poeta Castro Alves, e foi
divulgada no Brasil inteiro.
Nesse momento,
Mauá teve uma atitude pouco patriótica, que D. Pedro II jamais perdoou.
Alarmado com a perspectiva dos prejuízos econômicos que ele e seus patrões
ingleses teriam com o rompimento do comércio, logo procurou atuar como
intermediário para restabelecer as negociações diplomáticas - sem ter sido para
isso convidado por ninguém. No contexto em que tomou essa atitude ficava claro
que seu interesse era favorecer mais os seus negócios do que o Brasil, e D.
Pedro o rejeitou, respondendo: "Cuide o Sr. Mauá dos seus negócios, que do
Brasil sei eu cuidar".
Christie achou
mais prudente recuar. Os navios brasileiros foram logo devolvidos. O caso,
confiou-se ao juízo de um árbitro imparcial - o Rei Leopoldo I, da Bélgica, tio
da Rainha Vitória. E Christie foi chamado de volta a Londres, sendo substituído
por outro diplomata mais sensato, e até simpático ao Brasil, Mr. Cornwallis
Eliot.
Mas D. Pedro II
não considerou encerrado o caso. O decoro nacional exigia uma satisfação
condigna pela ofensa recebida. Como Londres não quisesse apresentar essa
satisfação, seguiu-se o inevitável rompimento de relações. O ministro do Brasil
em Londres, Carvalho Moreira (futuro Barão de Penedo), pediu seus passaportes e
retirou-se da Ilha com toda a legação. E Mr. Eliot, por sua vez, foi convidado
a retirar-se do Brasil, em junho de 1863.
D. Pedro foi
absolutamente inflexível e determinou que, enquanto não fosse resolvida satisfatoriamente
a questão, o Brasil não somente interromperia relações diplomáticas com o
Império Britânico, mas também suspenderia todas as relações comerciais, ficando
congelados todos os capitais ingleses aplicados no Brasil.
No mês seguinte,
Leopoldo I proferia sentença favorável ao Brasil. A Inglaterra ainda relutou
longamente em reconhecer que seu representante havia agido mal, e tentou
restabelecer relações diplomáticas e, sobretudo, comerciais, sem pedir
desculpas. Do ponto de vista econômico, é preciso dizer, não foram pequenos os
prejuízos que sofreu o comércio inglês nos dois anos em que estiveram
interrompidas as relações.
Afinal, ante a
inflexibilidade de D. Pedro II, a Inglaterra acabou por ceder, e um emissário
especial, Edward Thornton, foi enviado ao Imperador, para manifestar o quanto a
Rainha Vitória lamentava todo o ocorrido e apresentar formalmente as desculpas
do governo inglês.
Para cumprir sua
missão, o emissário precisou deslocar-se até a tenda de campanha de D. Pedro
II, no Extremo Sul do País, diante da cidade de Uruguaiana que as tropas
brasileiras haviam acabado de reconquistar aos paraguaios.
Foi como
vitorioso, e acompanhado de seus aliados argentinos e uruguaios, que o
Imperador quis receber o pedido de desculpas da poderosa Grã-Bretanha.
Essa a origem do
desentendimento entre Mauá e o Imperador. Quando, mais tarde, Mauá chegou à
beira da falência, o Governo do Império teria podido socorrê-lo, mas não o fez.
D. Pedro II considerou imoral usar dinheiro público para socorrer um investidor
privado. E Mauá faliu.
Esses
acontecimentos são escamoteados pelo filme, que apresenta Mauá como um
idealista desinteressado e patriota, e D. Pedro II como um homem medíocre,
invejoso e injusto. A verdade histórica é bem outra.
Há, para os
conhecedores de História do Império, ainda outras impropriedades e anacronismos
no filme, além de personagens inexistentes (como o Visconde de Feitosa), que o
filme apresenta como se históricos fossem. Mas, no total, não deixa de ser um
filme interessante. Dentre os atores, não destacaria nenhum como
particularmente bem sucedido, a não ser, talvez, um ator secundário, que fez
papel coadjuvante, que representou Mr. Carruthers, o patrão e depois sócio de
Mauá. Era, talvez, o único que, a meu ver, parecia realmente um homem do século
XIX. Quanto a Paulo Betti, sinceramente, ele me convenceu mais no papel de
jagunço baiano, em Guerra de Canudos, do que no papel de Mauá.