(arte Paulo Coimbra) |
Ivana Maria França de Negri
Era uma vez um rio... Doce, piscoso, de
águas límpidas. E um povo que o amava e dele retirava seu sustento: água,
peixes, e o utilizava como meio de transporte através de barcos e balsas.
Rodeado de vegetação abundante e rica
fauna silvestre, era o orgulho dos povos ribeirinhos.
Mas um dia, uma tragédia de proporções
gigantescas se abateu sobre eles. Rompe-se uma das barragens de dejetos de uma
mineradora. E a sopa de lama e resíduos poluentes invade casas, igrejas, lojas,
rios, nascentes, destruindo o que encontra. Como uma grande boca vomitando lodo
e detritos, com sua língua pegajosa grudando em tudo e deixando rastros de
destruição. O caldo grosso se locomove por quilômetros. Ninguém consegue deter a
massa de lodo. Luta vã tentar contê-la. Animais marinhos, domésticos e
silvestres sucumbiram aos milhares. A fauna das matas ciliares foi dizimada.
O pasto virou lama e o gado não pode
beber a água barrenta e contaminada.
Ambientalistas contabilizam que cerca
de um trilhão de organismos vivos, incluindo vidas humanas, morreram no
desastre.
A água potável passa a ser o bem mais
precioso, todos implorando por uma garrafa do líquido cristalino para beber.
O vale colorido torna-se monocromático:
tudo marrom, um rio de barro. Barqueiros olham o rio lamacento e lamentam.
Lágrimas rolam em seus rostos marcados. O velho rio Doce vai ficar apenas na
memória deles. Seus netos só saberão da beleza do Vale através de fotos,
imagens e filmes.
Será que um dia esses lugares renascerão
das cinzas como a lendária Fênix? Não dá para prever... Mas podemos esperar
mais tragédias a longo prazo. Síndromes e doenças diversas, oriundas do contato
com metais que estão se infiltrando no solo e poluindo as águas. Ninguém sabe o
que podem causar essas substâncias tóxicas, os metais pesados. Só o tempo dirá!
A catástrofe vai caminhando, como uma
centopeia, contaminando tudo. E o rio de lodo chega ao mar. O impacto ambiental
é incalculável. Mais de 120 nascentes soterradas.
Vale do Rio Doce agora é o Vale da
Morte. O cheiro de podridão que emana dos cadáveres insepultos é insuportável. Cidades
inteiras foram dizimadas. Viraram cemitérios de lama.
O que fizestes, Homo Sapiens???
Quem vai recuperar as águas doces? Quem
vai trazer de volta à vida os mortos? Quem ressuscitará a rica fauna que
abundava nesses locais?
Esse crime não tem perdão!
Que o Criador de todas as coisas tenha
piedade de vós no dia do acerto de contas final.
E que o Rio Doce e suas cidades
fantasmas “Requiescant in pace”.
(Texto publicado na GAZETA de Piracicaba em 25/11/2015)