PROGRAMA PIRACICABA HISTÓRIAS E MEMÓRIAS
JOÃO UMBERTO NASSIF
Jornalista e Radialista
joaonassif@gmail.com
Sábado 15 de maio de 2010
Entrevista: Publicada aos sábados no caderno de domingo da Tribuna Piracicabana
As entrevistas também podem ser acessadas através dos seguintes endereços eletrônicos:
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Geraldo Victorino de França ao lado da escultura retratando sua filha Graziela, Miss Bicentenário de Piracicaba, do artista plástico Jairo Ribeiro de Mattos
ENTREVISTADO: Professor Dr. Geraldo Victorino de França
Muitos jovens procuram a cidade de Piracicaba para realizarem seus estudos em uma das suas faculdades e universidades. Namoram, casam-se e permanecem na cidade. Inúmeros casos se repetem ano a ano. Um exemplo típico é o de Geraldo Victorino de França também conhecido como “Voinho”, apelido carinhoso pelo qual lhe chamam os netos e bisnetas. Engenheiro agrônomo, professor aposentado da Esalq/USP – Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz. Casado com a professora Zilda Giordano Victorino de França, 4 filhos, 11 netos e três bisnetas. Pai da Miss Bicentenário de Piracicaba, Maria Graziela, da escritora e poetisa Ivana Maria França de Negri, de Maria Fernanda e Geraldo Junior. Autor de dois livros publicados “Aprendendo Com o Voinho I e II”, e um terceiro já a caminho, mantêm o “Blog do Voinho” http://aprendendocomovoinho.blogspot.com/, na internet. Um verdadeiro exemplo de como uma pessoa após adquirir conhecimentos e experiências de uma carreira universitária pode oferecê-los de forma didática e acessível àqueles que estão em busca de novos conhecimentos. Nascido em Barra Bonita, no dia 25 de outubro de 1925.
Qual é a fórmula para chegar aos 84 anos de idade desfrutando excelentes condições de saúde?
Viver da maneira mais simples possível!
O senhor com toda a cultura e experiência adquirida em uma carreira acadêmica, cultiva a simplicidade?
Eu acho que sim.
Além da fazenda o pai do senhor também administrou a cidade de Barra Bonita?
Sou filho de João Victorino de França e Maria Ribeiro de Andrade Victorino de França, meu pai foi prefeito de Barra Bonita por várias vezes, ele era o proprietário da Fazenda São Domingos com a extensão de aproximadamente duzentos alqueires de terras, sendo o café a principal exploração agrícola da fazenda. Depois passou a pertencer á Usina da Barra, sendo atualmente ocupada por cana-de-açúcar. Meu avô foi o Coronel José Victorino de França, que embora tivesse o título de coronel, como era costume na época , não era militar era fazendeiro.
Em Barra Bonita a casa em que o senhor morava com seus pais era na fazenda ou na cidade?
Ficava na cidade de Barra Bonita, meus pais tiveram quatro filhos, eu e minhas três irmãs.
Como filho de fazendeiro de café um caminho lógico seria estudar agronomia?
Naquela época estudávamos quatro anos de primário, cinco de ginásio. Após concluir o curso primário em Barra Bonita, cursei o Ginásio Diocesano Nossa Senhora de Lurdes em Botucatu, no início eu era aluno interno, depois fui morar em uma pensão onde havia outros estudantes, entre eles um tio meu, que era um pouco mais velho do que eu. O curso ginasial ocupava o dia todo, de manhã e a tarde. Era uma escola muito boa.
Após concluir o ginásio em Botucatu qual foi a próxima etapa?
Em seguida vim para Piracicaba com a finalidade de estudar agronomia na ESALQ. O curso era de quatro anos, só que havia um curso preparatório feito no período de dois anos, era ministrado na própria ESALQ por professores do seu quadro.
Em Piracicaba onde o senhor foi residir?
Cheguei a Piracicaba em 1942, logo fui morar em uma republica habitada por cerca de oito a dez estudantes de agronomia, situada na Rua José Pinto de Almeida. Íamos até a ESALQ utilizando como meio de transporte o bonde, como havia muitos alunos o bonde puxava um carro-reboque. Os estudantes às vezes faziam o chamado “balancê”, que nada mais era do que balançar o reboque, até tirar a unidade que tracionava a composição fora dos trilhos, com isso o prosseguimento da viagem não era possível. A cidade naquela época terminava antes do início da Avenida Carlos Botelho, esse trecho em direção a saída para São Paulo desenvolveu-se depois O limite da cidade com a escola não era fechado com cercas.
Lembra-se de alguns professores do curso de agronomia?
O Dr. Walter Radamés Accorsi foi meu professor, assim como Melinho, Salgadinho, Pizza, Pedreira, Breno Carneiro, Demósthenes, Salim Simão, Friedrich Gustav Brieger. Praticávamos esportes como forma de diversão, sendo que o futebol era o mais praticado. Só que eu era ruim! Jogava como lateral direito do “A” encarnado, mas eu não era um bom craque.
O cinema era uma das principais formas de diversões na época?
Nós freqüentávamos o cine Broadway ou o São José.
O senhor frequentava a famosa “Calçadinha de Ouro”?
Frequentava, naquela época quadrava-se o jardim. Foi ali que conheci a minha esposa, na época éramos os dois estudantes.
Lembra-se de algum filme que foi marcante na época?
Casablanca é um dos filmes que gostei muito, um clássico do cinema. (A estreia de Casablanca deu-se no Hollywood Theater de Nova Iorque, em 26 de novembro de 1942, e tornou-se rapidamente em um grande sucesso. Humphrey Bogart e Ingrid Bergman têm atuações extremamente carismáticas).
Os pais da esposa do senhor moravam onde?
O pai dela era funileiro, estabelecido a Rua Governador Pedro de Toledo, em frente onde hoje é a Casas Pernmbucanas. A funilaria funcionava nos fundos, no quintal. Não era para automóveis, mas sim para portas de aço, na época existia muitas empresas de prestação de serviços estabelecidas na Rua Governador.
Do período da Segunda Guerra Mundial, de 1939 a 1945 o senhor tem algumas lembranças?
Lembro-me dos pracinhas de Piracicaba, alguns foram combater na Itália. (Pracinha é um termo referente aos soldados veteranos do Exército Brasileiro que foram enviados para integrar as forças aliadas contra o Eixo, Alemanha, Itália e Japão).
Após concluir o curso de agronomia na ESALQ o senhor foi trabalhar aonde?
Após prestar um concurso de seleção e ser aprovado fui trabalhar na Secretaria da Agricultura em Campinas. Logo em seguida fui convidado para lecionar na ESALQ. Formei-me como engenheiro agrônomo em 1947 e casei-me em 1950, o casamento foi realizado na Catedral de Piracicaba.
Em qual departamento o senhor passou a lecionar?
Fui convidado pelo Professor Guido Ranzani, do Departamento de Ciência do Solo, para integrar o quadro. Fazíamos pesquisas, fizemos o levantamento de solo de Piracicaba.
Como é o solo de Piracicaba?
Existe uma Carta de Solos de Piracicaba. O solo de Piracicaba é muito diversificado, não existe um tipo apenas de solo. O percentual maior talvez seja de solos podzólicos. É um solo que tem características B-textural, formado por uma camada mais arenosa em cima e mais argilosa embaixo.
E a famosa terra vermelha ou terra roxa encontrada em Piracicaba e tida como terra muito fértil?
As terras vermelhas são geralmente lactosolo, principalmente o lactosolo roxo, que antigamente chamava-se terra roxa legítima.
Qual é aproximadamente o percentual dessas terras em Piracicaba?
Como é formada por diversos tipos de solo a área ocupada deve ser em torno de 25% a 30%, inteiramente ocupados com cana-de-açúcar.
O cultivo da cana-de-açúcar pode deteriorar o solo?
É uma cultura até certo ponto benéfica, pelo fato de cobrir bem o terreno e possibilitar um controle melhor da erosão, superior a cultura de milho ou de algodão.
Quanto tempo o senhor permaneceu na ESALQ?
Entrei na ESALQ permanecendo até 1995, ano em que me aposentei pela compulsória, tinha 70 anos de idade.
A denominação do seu título na escola ao aposentar-se, qual era?
Professor Doutor, um pouco abaixo do catedrático, eu dava aulas teóricas e práticas, aulas na graduação como também na pós-graduação.
Dos seus alunos alguns tornaram nomes mais conhecidos do publico, poderia citar alguns?
São diversos alunos, dei aulas para Antonio Carlos de Mendes Thame, ex-prefeito de Piracicaba, deputado federal, para João Hermann Neto, falecido recentemente, que também foi prefeito de Piracicaba e deputado. O ex-deputado e presidente do Lar dos Velhinhos, Jairo Ribeiro de Mattos foi meu aluno de pós-graduação.
Como era o comportamento desses alunos em suas aulas?
O Thame era bem quieto. O João Hermann era mais espeloteado.
Qual foi a tese do senhor para doutoramento?
Foi a “Interpretação Fotográfica de Bacias Rios e Drenagens Aplicadas a Solos de Piracicaba”, envolvia tanto levantamentos de solos como interpretação de fotografias aéreas. Existem empresas especializadas em realizar levantamentos fotográficos aéreos, sobrevoam a região. Trabalhei muito com fotografias aéreas, uma das disciplinas que eu lecionava era fotointerpretação, outra disciplina era conservação do solo.
A conservação do solo é observada na prática?
Deveria ter uma aplicação maior, é uma matéria muito importante. Com o correr do tempo e o uso inadequado do solo, acaba-se perdendo a produtividade.
Nos dias atuais é comum ouvir do agricultor que “secou” tal nascente, esse fato é decorrente do que?
É em função da falta de preservação das florestas, são elas que preservam as nascentes. Se não cuidarmos melhor do solo as perspectivas não nada boas.
Desde o início do seu trabalho com solos até os dias atuais ocorreram muitas mudanças com o solo e o tratamento dado a ele?
As técnicas de conservação do solo foram evoluindo, a adubação, o terraceamento que é a construção de curvas de nível para reter as águas das chuvas, retendo-as para que não escorram sobre a superfície obrigando a infiltração no solo. Se escorrer sobre a superfície essas águas provocam a erosão.
Como está a Mata Atlântica?
A Mata Atlântica atual está reduzida a 7% da Mata Atlântica inicial. Ela situa-se exatamente na região mais desenvolvida do país. Abrange Minas Gerais, Rio de Janeiro, São Paulo, até o norte do Paraná. Em Piracicaba a Mata Atlântica está praticamente extinta. A Mata Atlântica abrangia todo o município, inclusive a cidade. Tínhamos as madeiras como imbuia, peroba, jacarandá, tamboril.
O senhor acredita que um dia esse quadro possa retroceder?
Acho difícil. Hoje a maior parte dessas terras está ocupada com culturas, pastagens, e também áreas urbanas, suburbanas.
O senhor é pai da Miss Bicentenário de Piracicaba, eleita em 1967, a Maria Graziela. Qual é a sensação de ter uma filha eleita miss em uma ocasião tão marcante para a cidade?
Meu sentimento é de muita satisfação e muito orgulho. Minha esposa e eu freqüentamos um grande número de festividades nesse ano, o prefeito era Luciano Guidotti. A comissão que elegeu a Graziela como Miss Bicentenário era composta por cinco pessoas notáveis da cidade, entre elas Hugo de Almeida Leme, Dr. Nelson Meirelles.
Os passeios de família mais comuns eram quais?
Freqüentávamos cinemas, Clube Coronel Barbosa, Clube de Campo de Piracicaba. As viagens eram mais comuns em visitas a parentes.
O senhor tem uma filha que é poetisa, escritora, de quem foi a influencia dessa veia literária na família?
Acho que foi a minha filha Ivana Maria que me influenciou para escrever meus livros, blog, site na internet. Tornei-me escritor depois de aposentar-me, mandava pela internet mensagens aos filhos, aos netos, quase diariamente. Minha Filha Ivana resolveu reunir essas mensagens em dois livros: “Aprendendo Com O Voinho” I e II. A intenção é transmitir conhecimento em um nível médio para os filhos e para os netos. O meu blog já tem quase dez mil visitas. São abordados vários assuntos entre as matérias como português, matemática, física, química biologia.
O senhor comunica-se com seus netos pela internet?
Com todos eles! O apelido “Voinho” me foi dado pelos meus netos, filhos da Ivana Maria. Por um período de tempo eles moraram em Brasília e tiveram influencia da cultura nordestina, passaram a chamar o avô de voinho. Esse apelido pegou.
No tempo de estudante o senhor chegou a ter algum apelido?
Meus colegas me colocaram o apelido de Bicudo.
A agricultura brasileira deve muito á ESALQ?
Sem dúvida! Ela é uma referencia no campo da agricultura.
O autor do Hino da ESALQ é conhecido do senhor?
Fomos colegas de departamento, o Zilmar Ziller Marcos e eu.
Qual é uma das suas músicas preferidas?
Gosto muito da musica Fascinação.
Há uma estabilização e até mesmo um declínio na freqüência dos clubes sociais,. A que o senhor reputa isso?
Acredito que o computador seja o maior responsável por esse novo quadro. Ele interfere na vida de cada um.
Qual é o seu time do coração?
Eu torcia pelo Santos, cheguei a assistir o Santos jogando contra o XV de Novembro no campo antigo do XV, onde hoje é um supermercado. Lá eu assisti Pelé jogando, era um grande jogador, igual a Pelé não existe ninguém. Faziam parte do quadro Coutinho, Pepe, Zito, Clodoaldo. O time do Santos era uma Seleção Brasileira. Depois passei a torcer pelo São Paulo, cheguei a ver Leônidas jogando bola, ele já estava meio maduro, meio parado.
O senhor assiste sempre jogo de futebol pela televisão?
Assisto, torço, sofro vendo o jogo de futebol!