Armando Alexandre dos Santos Cadeira n° 10 - Patrono: Brasílio Machado |
Nunca se zombe da mania de um escritor ou de um verdadeiro artista. Trata-se de algo inocente e, ademais, muito sério, que exige respeito!
Alguns trabalham melhor de manhã, outros de madrugada. Alguns preferem trabalhar em equipe, outros só conseguem produzir sozinhos. Há pessoas que criam mais facilmente em conversas com amigos, por exemplo em redor de uma mesa em que todos tomam chope. Sem dificuldades nem constrangimentos, a conversa vai fluindo naturalmente e as ideias brotam com uma abundância que nunca seria alcançada diante de um computador ou assentado à mesa de trabalho. O famoso "Trem das Onze", sucesso clássico de Adoniran Barbosa, foi composto precisamente assim, num bar paulistano ─ o tradicional Moraes, da Praça Júlio Mesquita, ainda hoje famoso pelos seus filés ─ entre amigos. Adoniran teve a ideia e foi escrevendo numa toalha de papel.
Outras pessoas preferem criar falando sozinhas, em voz alta, e só assim seu pensamento flui com facilidade. Eça de Queiroz era desses. Fechado no quarto, ia em voz alta delineando palavra por palavra a trama do texto que devia redigir. Só começava a escrever depois de ter pensado em cada uma das palavras do texto que deveria escrever naquele dia. O método do autor de “A ilustre casa de Ramires” tinha um inconveniente. É que muitas vezes seus amigos se queixavam de não terem recebido resposta a alguma carta. E ele jurava lhes ter escrito, e às vezes até dizia, com total segurança, como começara a carta, como desenvolvera sua exposição, como a terminara etc. etc., tudo até nos pormenores mais insignificantes: é que pensara inteiramente a carta mas se esquecera de a escrever...
Há certas pessoas que têm a peculiaridade de somente conseguirem soltar inteiramente a sua criatividade quando em situações de confronto. Ou seja, precisam estar em briga, ou em discussão, ou em situação de stress, para se sentirem estimuladas a criar. É somente assim que conseguem produzir intelectualmente.
Winston Churchill, um dos maiores mestres da língua inglesa no século XX, somente conseguia escrever pressionado pelo relógio. Se tinha que redigir, por exemplo, um artigo ou um discurso, não conseguia escrever nada até que sua secretária lhe avisasse que faltavam somente 30 minutos para o último prazo vencer, ou que o deputado adversário já dera início a sua fala e cabia a ele, Mr. Churchill, rebatê-lo imediatamente, tão logo se calasse. Somente aí, pressionado pelo tempo, a formidável usina cerebral de Churchill se punha em movimento acelerado. E produzia, com uma rapidez incrível, peças verdadeiramente maravilhosas. Produzia também, como é compreensível, um terrível desgaste nervoso nos seus pobres auxiliares... O livro “Eu fui secretária particular de Winston Churchill”, de Miss Phyllis Moir, lançado em 1941 e imediatamente traduzido para o português e publicado no Brasil pela Editora Globo, é bem esclarecedor quanto aos tormentos que sofriam os auxiliares do genial homem de estado inglês.
Há também pessoas que só conseguem criar em situações muito excepcionais. São as famosas manias de escritor: um que só consegue escrever com os pés dentro de uma bacia de água, outro que só produz se sentir aroma de rosas, outro que só redige com determinada roupa ou tomando whisky de determinada marca, com um número certo de pedras de gelo.
João Teodoro Xavier, que governou a província de São Paulo de 1872 a 1875 e deixou fama de excelente administrador, tinha uma peculiaridade: só conseguia escrever durante a noite.
Quando acontecia de precisar redigir algo com dia claro, fechava-se no quarto, vestia camisolão e touca (naquele tempo não se usavam pijamas), mandava os criados fazerem silêncio em toda a casa e, à luz de velas, escrevia o que tinha que escrever...
Esquisitice? Mania? Sem dúvida... mas o fato é que coisas dessas são facilmente perdoáveis, em personalidades muito ricas, muito criativas, muito fora de série.
Gilberto Freyre costumava escrever em folhas de papel ofício, sobre uma prancheta, molemente reclinado numa poltrona, de lado. Apoiava as costas sobre um dos braços da poltrona, afundava o corpo na almofada e dobrava uma das pernas sobre o outro braço. Ia preenchendo as folhas e as deixava indolentemente cair no chão. Não tinha hábito de consultar livros, ou fichários, ou outros apontamentos; servia-se unicamente de sua memória invejável e de sua extraordinária criatividade. A seu lado, uma secretária ia, silenciosamente, recolhendo e numerando as folhas que caíam, para depois copiá-las à máquina. E o texto das obras-primas de Mestre Gilberto eram publicados quase sem revisão, já saíam prontinhos da sua cabeça. Se ele fosse forçado a escrever sentado convencionalmente a uma mesa, ou dedilhando um teclado, é bem possível que nada conseguisse produzir.
Evidentemente, não estou sugerindo que o leitor ou a leitora que deseje tornar-se profissional das letras arrume uma "mania" esquisita dessas para também ter sucesso... É claro que não! Mas se notar, pela observação de seus ritmos pessoais, de seu modo de ser, que alguma coisinha dessas lhe facilita a vida, não tenha escrúpulo: adote-a decididamente. Perigo maior não há.
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