Colaboração da Acadêmica Myria Machado Botelho Cadeira n° 24 - Patrona: Maria Cecília Machado Bonachela |
Escrever
é um ato sério. A passividade de uma folha em branco esconde armadilhas e
comprometimentos. O que se fala é efêmero, mas aquilo que se imprime e se fixa
exige reflexão, ponderação, cuidado, sobretudo conhecimento e apuro. O dever de
informação e formação do escriba é vário em todas suas modalidades e não pode
ser prejudicado pelo sectarismo – uma forma intransigente e apaixonada de dizer
as coisas como se estas fossem certas e infalíveis, isto em se tratando de
jornalismo. Ninguém é dono da verdade, contudo, podemos esforçar-nos para
aproximar-nos quanto mais da veracidade que se constrói no repúdio a toda
forma duvidosa, em que as fontes possam
ser falsas ou mentirosas.
O
trabalho de quem escreve é silencioso, sofrido e obscuro, nem sempre valorizado
devidamente, tratando-se do escritor ficcionista e criador; são pequenas as
consolações, exceto aquelas, parafraseando o poeta, anônimas e sem raízes,
recebidas como bênçãos, “um repouso ao cansaço, um pouco de modéstia aos mais
felizes, um pouco de bondade aos mais perversos.”
Nos
tempos que correm, o texto da era digital é veloz, cria cenários de comunicação
planetária, uma revolução que muitos chegam a considerar como a morte da
palavra escrita, e consequentemente o fim da arte literária. Em meio a esta
revolução, surgem fatores desgastantes em detrimento do que se poderia
considerar uma preocupação maior e mais cuidadosa para com a comunicação
escrita. O descaso com a língua e a sintaxe, o estilo e a forma, uma
superficialidade sustentada e revigorada pela tecnologia fácil, criou uma
improvisação que ameaça desbancar o esmero, o cuidado e o esforço dos bons
esgrimistas da palavra e as características indispensáveis do verdadeiro
escritor. Para tudo, é necessário o preparo, o embasamento da leitura e do
conhecimento e, logicamente, o talento. Acredito, contudo, que essa fase terá
um fim, a bem de uma sobrevivência que, forçosamente, vai acontecer.
Expressando
suas experiências e introspecções, dentro de seu próprio mundo, o bom escritor
tem uma responsabilidade social, imposta pela qualidade inata da inteligência e
do engenho natural. No ambiente onde vive, dentro de sua comunidade, sua tarefa
é a de entregar a realidade nas mãos dos leitores.
Neste
terceiro milênio, à sombra de todas as convulsões ocorridas no século passado,
que muitos consideram o pior de todos os que o precederam no terreno da
violência, das guerras, das lutas de classes e conflitos raciais, dos
desregramentos morais e sexuais, sobretudo do materialismo sem Deus e contra
Deus, as conquistas tecnológicas e científicas, estranho paradoxo, levaram o
ser humano a regredir no terreno espiritual. Homens e mulheres
desarmonizaram-se interiormente, sem saber o que fazer de si mesmos. Rompendo o
próprio equilíbrio, romperam-se em consequência o equilíbrio ecológico e a
estrutura da sobrevivência no planeta.
O
gosto pela boa leitura, o aprofundamento, o mergulho no vastíssimo oceano das
ideias e da reflexão que tantos benefícios podem trazer ao conhecimento humano
e aos relacionamentos, aprimorando o comportamento subjetivo e,
consequentemente, a contribuição qualitativa exterior, vêm cedendo espaços para
a superficialidade medíocre. Os bons escritores escasseiam e já integram o
quadro das exceções.
Por toda essa desordem, temos de
admitir, somos responsáveis, estamos no mesmo barco e com ele afundaremos ou
emergiremos.
E
o escritor? Deverá ele alienar-se e retirar-se, ou ainda restringir-se e
comunicar ao mundo somente o lado amargo, cruel e triste de suas observações e
experiências? Ou procurar suavizar a realidade, dourando-a com o tênue manto do
sonho, da beleza e da fantasia? E no terreno mais doméstico, dentro de suas
pequenas fronteiras, no restrito raio de alcance de seu trabalho inglório e de
resultados tão relativos neste país tão dividido, em que o humilde escriba do
interior representa tão pouco ou quase nada, sem apoio ou incentivo, deverá ele
insistir ou fugir? Cremos sinceramente que não.
Uma
vez que as distâncias se encurtaram e as preocupações passaram a ser igualmente
comuns; uma vez que a reciprocidade se tornou mais próxima e possível pelos
meios de comunicação, é dever continuar
e contribuir com a pequenina parcela que lhe cabe.
A
literatura sempre será o instrumento mais sensível a serviço da criatura
humana, além de ser um fator de unidade e ajuda recíproca. Em contato com os
acontecimentos mais próximos e nessa mútua relação, a voz do escritor no seu
idioma nativo deverá ser a força que agrega, une e preserva o espírito de uma
comunidade, de uma nação. Partindo das próprias experiências e identificações,
e devagar, se começa a trazer na própria direção o que acontece pelo mundo.
Poetas, ficcionistas, jornalistas,
historiadores e pensadores, quem senão estes, providos de sensibilidade e
daquela indefinível chama de sensação intuitiva aliada à competência, poderiam
ser melhores vigilantes da vida que pulsa ao redor, com toda sua pungência,
seus acertos e fracassos, decepções e desencontros, com toda sua maravilhosa e
doce utopia? Com toda sua memória preciosa e indispensável para ser legada aos jovens e servir de arrimo
aos mais velhos?
O escritor é a testemunha de seu
tempo. Pequeno ou grande, ousado ou tímido, na primeira frente ou na
retaguarda, não importa. Com ímpeto ou doçura, carregando nas tintas ou
suavizando-as, usando a palavra de forma envolvente e musical, ou tonitroando-a
como imprecação, criando e dando vida eterna aos arquétipos imortais de tantas
obras-primas, capazes das revoluções da alma e do mundo, plenas de um conteúdo
inovador ou transformador – eis a força da palavra que nenhum computador e
nenhuma revolução digital poderá substituir com igual amplitude, benefício e
confiabilidade.
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