Antonio Carlos Neder Cadeira n° 15 - Patrono: Archimedes Dutra |
Parece haver hoje em nosso país uma política deliberada de
desqualificação da medicina e dos médicos.
A despeito de ser ainda centro de excelência e referência mundial em
várias especialidades, o Brasil coloca o seu sistema em xeque dia a dia, por
equívocos ou falta de visão de parte dos gestores.
Atualmente, um grande vilão da desconstrução da medicina é o aparelho
formador. A abertura indiscriminada de escolas de medicina não foi enfrentada
com a devida seriedade e os resultados são nefastos.
Partindo da ideia de que a problemática da educação em qualquer país é
consequência e não causa da situação sócio-econômica, cultural e política,
deveríamos debater alguns dados para podermos compreender os rumos do ensino
superior em geral, e do ensino médico, em particular.
Ao passar do tempo, verificamos que a transmissão da cultura,
compromisso tradicional da Universidade, foi cedendo lugar à filosofia de
preenchimento das necessidades imediatas. Substituiu-se a ética do ser pela
ética do ter.
O aluno é tido como um produto para o mercado de trabalho. Os vestibulandos
passam a procurar profissões cuja imagem é de sucesso no campo econômico e
social.
Não se indaga se o aluno tem aptidão para determinada profissão, quais
suas capacidades, tendências, indicações ou vontades.
Na saúde, existe a necessidade de generalistas, mas formam-se
especialistas. Há necessidade de dar mais atenção aos problemas coletivos, mas
os formandos são orientados para os problemas individuais.
Mesmo mal orientados quanto a sua formação e objetivos coletivos, os
formandos não possuem em sua grande maioria mínimas condições para atendimento
clínico.
Recente avaliação do Conselho Regional de Medicina do Estado de São
Paulo, com estudantes do sexto ano, portanto formandos, atestou que quase 50%
deles não sabe interpretar radiografia ou fazer diagnóstico após receber
informações dos pacientes.
Também, cerca de metade administraria tratamento impreciso para
infecção na garganta, meningite e sífilis. Ainda não seria capaz de identificar
febre alta como fator que eleva o risco de infecção grave em bebê.
O baixo percentual de acertos em campos essenciais da medicina, como
Saúde Pública (49% de acertos), obstetrícia (54%), clínica médica (56,50%) e
pediatria (50,30%) é alarmante.
Esses dados reforçam ainda mais a idéia de que é necessário que o formando
realize pelo menos um ano de clínica médica antes de ingressar no atendimento
da população.
Aliás, os índices de reprovação, desde que a avaliação foi criada em
2007, mostram que muitos novos médicos não estão preparados para exercer a
profissão. Some-se a esses problemas de má formação profissional, a deficiência
já citada da Residência Médica, onde quase 50% dos formados não conseguem por
vários motivos obte-la.
De certa forma, a responsabilidade não é só dos formados que pagam
mensalidades caríssimas, convictos de que receberam conhecimentos suficientes
para bem servir ao próximo. É fruto da mercantilização do ensino médico.
A Organização Mundial da Saúde (OMS) e a
Organização Panamericana de Saúde (OPS) concluíram que dos aproximados 15 mil
médicos formados anualmente apenas 53% deles alcançam a Residência Médica 1, e
47% não o fazem por vários motivos e partem ainda assim, respaldados por Lei, a
realizar atendimentos clínicos, sem o mínimo de conhecimentos. Porém, mesmo
sendo apenas bacharéis em medicina são favorecidos e exercem a profissão, em
detrimento da população menos favorecida.
Quando
lembramos que os alunos do sexto ano, formandos, possuem baixo rendimento
comprovado pelo Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo, algo deve
ser feito em prol da Saúde Pública, com urgência. Temos o exemplo da OAB, que
graças ao enorme número de faculdades de Direito, exige uma reavaliação dos
conhecimentos dos formados, através do exame da Ordem.
Algo
parecido precisa urgentemente ser feito na área médica, pois o número de
faculdades de medicina cresceu desordenadamente, muitas delas sem condições
reais de funcionamento. Há de se encontrar uma forma para filtrar os formados,
protegendo assim a população menos favorecida.
Faz
tempo que as Escolas Médicas são abertas com qualidade absolutamente
contestável. Além disso, existem regiões do país que estão superlotadas de
Faculdades, em detrimento das regiões norte-nordeste, onde a deficiência de
Faculdades é enorme.
Não
discutimos a quantidade de médicos formados, mas sim a sua capacidade para
atender clinicamente a população.
O
excesso de médicos nas regiões sudeste e sul do país é comprovado pela OMS e pela OPS. Segundo
essas organizações, o número de pacientes por médico deveria ser de 3 mil e, no
entanto, a média é de 400 pacientes, o que mostra o número elevado de médicos
nessas regiões. Em contrapartida, no norte-nordeste é aproximadamente de 12
mil, o que demonstra a falta de médicos naquelas regiões.
Além
do fator político, na criação de novas faculdades de medicina, predomina o
fator mercantilizante, que muitas vezes é unido ao fator político. A maioria
das faculdades de medicina é autorizada a funcionar sem possuir ao seu lado um
hospital-escola, com corpo docente e capacitação discutível. Falhas na grade
pedagógica, além de outros problemas. Em tempo, não podemos confundir a
existência de um Hospital com um Hospital Escola, que é inteiramente voltado ao
atendimento da Faculdade.
Dessas
faculdades mambembes, saem todos os anos profissionais de formação falha. Não
dá para fechar os olhos, pois isso é um risco para a vida de todos os cidadãos.
Para
agravar a situação, o perigo não mora só aqui, também vem de fora. Nos últimos
dias, por exemplo, foi noticiado amplamente que o Governo Federal adotará nova
estratégia para facilitar a revalidação de diplomas de médicos brasileiros
formados na Escola Latino Americana de Medicina de Cuba.
Com
recurso de nossos impostos, eles farão estágios em hospitais públicos,
recebendo bolsas, enquanto fazem cursinho de reforço para se preparar para uma
prova de revalidação do diploma. Ressalto que a revalidação desses diplomas de
médicos estrangeiros, e principalmente de brasileiros formados em outros
países, é um processo democrático, contudo são necessárias regras rígidas para
não expor os cidadãos à incompetência profissional oriunda de modelos de
formação inadequada ou insuficiente.
Como
se já não bastassem os nossos problemas para cuidar da formação dos nossos
médicos, readequando nossas Faculdades de medicina, dando ao produto final mais
qualidade para o atendimento da população, eis que temos ainda que absorver
problemas que vêm do exterior para o nosso país.
Tenta-se
na atual conjuntura mais um remédio para esconder a incompetência com que se
concebem políticas consistentes para garantir a universalidade e integralidade
do Sistema Único de Saúde (SUS).
Busca-se
mão de obra barata para atender regiões de fronteira de difícil acesso. Enfim,
parece que se planeja oferecer medicina de segunda categoria para os carentes e
desassistidos. Não podemos compactuar de forma alguma com isso.
Conclusões
finais e agravante: o médico é pessimamente remunerado no serviço público, onde
seus honorários são bem inferiores à sua qualificação e responsabilidades. Para
agravar ainda mais essa situação, ocorre o mau atendimento e cumprimento de
horários de serviços. Como a ele é determinado um número de atendimentos
diários, ele cumpre essa missão, segundo os horários estabelecidos, sem se
preocupar com a qualidade do atendimento.
Para
finalizar: o médico deve fazer o exame anaminésico – que corresponde a exames
objetivos e subjetivos – conversar com o paciente sobre seus problemas, no
mínimo por 15 minutos, a fim de ter
noção dos seus problemas clínicos.
Porém,
o que ocorre é o absurdo de o paciente ser atendido no exame anaminésico por no
máximo dois minutos. Não é possível, humanamente, o profissional médico obter
nesse curto espaço de tempo diagnóstico próximo do correto.
A
defesa, feita pelos médicos para mim é inaceitável, pois eles alegam serem
obrigados ao cumprimento do horário a eles estabelecido. Creio que mesmo
aumentando o número de médicos na clínica, o problema continuará, pois trata-se
de uma má formação cultural e médica inadequada, já relatada neste trabalho.
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