Marisa F. Bueloni Cadeira no 32 - Patrono: Thales Castanho de Andrade |
Peço licença ao leitor, pois
gostaria de tratar um pouco de espiritualidade. Das nossas vivências. Do acervo
humano que cada um possui dentro de si. Das nossas aventuras pessoais e da
grandeza que é viver.
Penso num assunto fascinante. O
centro da alma e a periferia da alma. As
contradições vividas no dia-a-dia. Como é difícil lutar contra os fatores
externos! Creio que o núcleo da nossa alma será sempre aquele que se inclina
para o Criador. É ali, no cerne da nossa espiritualidade que Deus repousa.
E quando não colocamos Deus no
centro de tudo, nossa vida desanda. Entendo sempre que Deus deve estar em
primeiro lugar. Quando o Espírito atua em nós, é maravilhoso! Tenho feito uma
experiência mística fascinante: viver com pouco. Passar com o que tenho e comprar
somente o necessário. Experimentar uma vida verdadeiramente franciscana.
Busco uma espécie de "pobreza
temporal" e também espiritual, pois é como melhor me adapto a este mundo.
Nunca me deslumbrei com nada, nunca senti inveja dos ricos e famosos, nunca
desejei mais do que tenho. Sempre me contentei com o que possuo e já enfrentei,
como muitos de nós, fases difíceis na vida.
Há alguns anos, passamos (meu marido
ainda era vivo) nossos apertos, e foi nessa época que mais vi o Espírito agir em mim. Assaltou-me
uma força colossal. Da aparente fragilidade brotava um vigor inesperado. Eu
construíra a casa sobre a rocha. Veio o vento, veio a chuva e minha casa
permaneceu de fé. Meu coração foi valente.
Nos momentos mais duros, rezei com
fervor. Nas noites mais fundas e dolorosas, peguei o meu terço. E era ali, no
centro da minha alma, que as forças se juntavam. Podia reconhecer meu lugar no
universo, no mundo contemporâneo onde tenho de circular, conviver, me
relacionar e comer o meu pão diário.
O bom Deus sempre me ouviu. Tenho de
reconhecer o afeto d´Ele por mim. Mas não fiquei esperando nada cair do céu...
Fiz a minha parte, não tive medo nem vergonha. Trabalhei, fora e dentro de
casa. E isso não mata ninguém, só nos fortalece. Olho para trás, vejo o que
passei, e me espanto por ter sido tão corajosa e tão forte. Sinto orgulho de
mim.
O centro da alma. Imagino que o
leitor esperasse algo mais intimista. Algo a respeito da fé, da espiritualidade
mais profunda. Do encontro com o divino. No meu caso, o espiritual se fundiu
com o sofrimento do cotidiano, com a luta pela sobrevivência digna, o
enfrentamento com o desconhecido - e o divino se revelou para mim.
Não sei de onde tirei tanta energia
e entendimento. Agora, viúva, sozinha (por opção), quieta no meu canto, e com a
vida razoavelmente estável, sinto os eflúvios do Espírito à minha volta. Olho
para trás e Ele me diz: “Você chegou. Você chegou até aqui. Você ainda esta de
pé. Eu te ponho de pé todos os dias”.
Do centro da minha alma vejo a chama
divina agir em toda parte. Esta luz que age em nós, quando nos deixamos domar.
"Solte os remos!", diz sempre padre Edvaldo. “Solte os remos!”,
repito com ele. Deixemos Deus comandar o barco da nossa vida. Deixemos o
Espírito agir e atuar em
nós. A Providência Divina existe e comprovei isso com meus
próprios olhos.
Fico feliz quando encontro alguém em
quem presencio esta clareza espiritual que anima e eleva! Sempre digo que andar
nos santos caminhos não significa renunciar à alegria, ao amor, à felicidade,
às coisas lindas da vida.
A felicidade completa é uma utopia.
No decorrer da existência, há perdas, doenças, luto, dor, sofrimento. Nada dura
para sempre. Nós mesmos vamos envelhecendo e vem a decrepitude... Nada é fácil.
Não existe uma fórmula mágica para a vida. Filhos não vêm com bula. Casamentos
se desfazem. As separações são sofridas.
E é preciso aprender tudo. Uma aprendizagem que jamais termina, pois há novas
lições todos os dias. Feliz de quem as aprende com a beleza bíblica da
Sabedoria!
Lá, no centro da minha alma, faço
conjecturas. Inferências. Busco o discernimento necessário para algumas
questões relevantes. O centro da minha alma está à espera. Algo grandioso
deverá vir até nós, num momento fatal. E será belo, sobretudo para os que
esperam em Deus.
Os tempos são trepidantes. Vemos a
glória do mundo e vemos sua decadência todos os dias. Por vezes, somos pegos de surpresa. O santo
padre renunciou e haverá um conclave para eleger um novo papa. No ar, rumores
do fim dos tempos. Será?
Que o centro de nossa alma nos traga
o justo equilíbrio, a lucidez necessária para atravessarmos com serenidade o
que possa vir à frente. Nada nos perturbe ou nos tire a paz, nada nos assuste,
como dizia Santa Tereza d´Avila. Sabemos que “a paciência tudo alcança” e que
nossa alma precisa desta bela lição de amor.
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