Cássio Camilo Almeida de Negri Cadeira n° 20 - Patrono: Benedicto Evangelista da Costa |
Deitado
no leito branco do hospital estava o mendigo recém atropelado. Fora encontrado
um dia antes, na madrugada, estendido na estrada deserta em meio a uma poça de
sangue já coagulado parcialmente.
Barba
por fazer há anos, com piolhos, cheirando sebo e suor acrescentado dos fétidos
dejetos expelidos pós acidente pelo esfíncter relaxado devido a lesão
neurológica decorrente do trauma craniano.
Não
podia movimentar-se, mas conseguia ver e raciocinar, quando os faróis dos
carros se aproximavam do seu corpo inerte, desviando-se a um instante de novos
atropelamentos.
Assim
ficou por toda a madrugada, pois quem iria socorrê-lo àquelas horas na estrada
deserta?
Os minutos se
transformaram em horas, a madrugada foi longa e ali, sentia-se realmente o ser
sem nada poder.
Com o corpo em
decúbito ventral, vistas para o leste, percebeu o sol nascer através dos olhos
vidrados, que nem podia piscar. Percebeu a ambulância chegando, e agora ali, já
barbeado e limpo no leito branco do hospital estava aprisionado no corpo pela
lesão cerebral.
O rosto virado
para o teto com os olhos semi-ocluídos pelos dedos ternos da enfermeira.
Pelos
vãos das pálpebras via o teto. Lá em cima, num pequeno orifício junto ao
lustre, um entra e sai de formiguinhas pretas. Suas lembranças reportam à
infância quando a mente borboleteante em mil pensamentos se assenta no cimento
vermelho da cozinha materna onde também havia um formigueiro. Brincava
desenhando com o dedo um pequeno filete circular da água que escorria da pia,
ao redor das formigas, que não podiam passar, ficando alvoroçadas, sem saber o
que fazer.
Lembra-se bem que um dia, uma
delas resolveu ultrapassar a marca de água no vermelhão. Atravessou com
facilidade e ganhou corajosamente a liberdade do outro lado do círculo.
Nesse dia
pensou que todas tiveram medo e ficaram apavoradas, somente aquela, teve a
visão de que no outro lado estava a liberdade.
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