Rio Piracicaba

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sábado, 4 de novembro de 2017

Gramaticídio *


Ivana Maria França de Negri

            De quando em quando aparecem palavras não usuais que caem no gosto popular  e viram modismo. E são pronunciadas em todas as bocas, nas rodas de conversas, grupos, mídias e redes sociais, que acham o máximo usar esses neologismos.
 Algumas dessas palavras até constam nos dicionários, mas outras, sequer figuram neles. Muitas, já quase mortas, renascem com sentido diferente de seu significado original.
            Pois bem, a bola da vez agora é a palavra “desconstruir”. No Aurélio: causar destruição, desfazer, destruir, desfazer para voltar a construir. 
Eu, particularmente, acho horrível desconstruir alguma coisa. Construir sempre! A não ser que seja algo muito maléfico que deva ser extirpado pela raiz.
Assisti a uma entrevista na TV apresentando uma pseudo poeta que dizia que era preciso desconstruir a poesia clássica e todo seu aparato de regras, composições, rimas e formas fixas para dar espaço à poesia de rua, do povo, de versos sem compromisso algum com métricas e rimas. E a apresentadora aplaudia e vibrava!
Talvez elas não saibam, mas a poesia de versos livres, que não precisa seguir padrões, sempre existiu, assim como os poemas de forma fixa, com todas as suas rígidas normas. Não é preciso desconstruir um para exaltar o outro.
 E eu fiquei pensando com meus botões... Como “desconstruir” a maravilha que é um soneto? Ou uma trova bem feita, um rondó, uma balada de métrica perfeita? E as rimas ricas? Que orgulho quando conseguimos encaixar várias delas num mesmo poema! Se essa “desconstrução” ocorresse, como sugeriu a moça, seria uma tragédia, mais uma chacina nas artes.
Outra palavra pouco simpática que vemos em todas as mídias e utilizada erroneamente é “empoderamento”. Em certos contextos deveria ser substituída por emancipação, autonomia, pois poder, nos dicionários, é literalmente a faculdade de exercer a autoridade ou a posse de domínio, influência, através da força ou dinheiro. A sociologia define poder como a habilidade de impor a sua vontade sobre os outros, mesmo que eles resistam. Estão vendendo a ilusão de que todos devem “empoderar-se”, ganhar poder, e subentendido, subjugar outras pessoas.
O termo “feminicídio” também está sendo largamente empregado quando uma mulher é assassinada. Homicídio significa matar um ser humano, o Homo Sapiens. Mas desde que a presidenta (?) não querendo usar um termo que  achou machista,  inventou a pérola “Mulher Sapiens”, esses neologismos começaram a ser disseminados.
Nos discursos em solenidades de eventos culturais e sociais, a redundância  “boa noite a todos e a todas”, virou febre. Estão confundindo gênero gramatical com gênero sexual! Todos é um pronome indefinido genérico.
Concluímos que o que está ocorrendo, não é apenas o mau emprego  de neologismos e sim o gramaticídio, que nada mais é do que o assassinato da gramática da nossa última flor do Lácio,  inculta e bela...

*Texto publicado na Gazeta de Piracicaba

Comentário da escritora Myria Botelho na Gazeta de Piracicaba

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