Marisa Bueloni
Quero escrever sobre o saudoso tempo das visitas, ocasiões em que era servido um bolo, um cafezinho, um doce de compota feito em casa, essas delicadezas de antigamente, entremeadas de risos cúmplices, barulhinho da xícara no pires, janelas abertas e toalhinhas bordadas.
Mas as visitas se perderam no tempo. Estão ter-mi-nan-te-men-te proibidas. Imagine chegar à casa de alguém na hora da novela. É crime inafiançável. Bem feito, porque é de bom tom avisar quando se vai à casa de alguém. Dar uma ligadinha antes, combinar um horário, pra você não pegar as pessoas de surpresa.
Danuza Leão define com elegância e educação: não se visita ninguém sem avisar antes e não se telefona para ninguém antes das 10 horas da manhã. Salvo aviso de falecimento. Acho isso de um refinamento elogiável.
Li numa revista que já não se usa mais ter aquela sala separada do resto da casa, aquele espaço todo arrumadinho, decoradíssimo, onde ninguém põe o pé. Tem casa com sala de visita onde não entra nem o papa. É proibido pisar no tapete persa, os quadros são caríssimos, o sofá é de couro legítimo, mas ninguém senta.
Hoje, a moderna decoração pede que se integrem todos os espaços da casa, todos os ambientes devem ser usados, partilhados. Então, que bom, aboliu-se aquela sala intocável, mera vitrine para os olhos. Mas, de nada adianta abrir os cômodos de uma residência, se há poucas visitas, se falta justamente o aconchego, a presença humana. Perdeu-se o hábito de visitar os amigos e parentes. Além do que, muitas casas viraram prisões, fortalezas de muros, grades e cercas elétricas, fortificações protegidas ao extremo, onde não se sabe se mora gente ali.
Ah, que saudade da minha doce casa, no tempo da infância. O portão da rua, o jardinzinho na frente, a trepadeira de florzinhas cor-de-rosa fazendo sombra no terraço adorado, os bancos de ripas de madeira com pés de cavalos de ferro. Esta fachada era um convite irrecusável para que a visita entrasse. E um tapetinho rústico na soleira da porta trazia a inscrição: Bem-vindo.
Hoje, estamos presos em nossos temores, acuados em nossas desconfianças. Numa rua deserta, cruzar com alguém dá arrepios. Sair de carro à noite, parar no farol, tudo tão arriscado e perigoso. Da rua, para casa. Correndo. Nosso doce lar não é mais aquele ali, pintadinho de ocre, no meio do quarteirão, com garagem e jardineiras na mureta. Quem pode está se mudando para os condomínios fechados.
Mas temos de vencer a paranoia do medo, pelo prazer de sair, de visitar, de viver. De abraçar a quem não vemos faz tempo e dizer aquelas palavras de antigamente, quando as pessoas em mútua bem-querença se cumprimentavam. Havia uma beleza natural nesse encontro. As casas possuíam alma, tinham cheiro de pão fresco, de café, de doce de leite borbulhando na panela, de bolo de fubá saindo do forno lá na cozinha. Tinham gosto de beijo, de abraço, de gente. Gosto de amor. À menção de um “vou indo, já é tarde”, o dono da casa dizia: “É cedo, fica mais um pouco”. E na saída, o visitante ainda ganhava de quebra o tradicional “vê se aparece mais vezes, hein?”. E era sincero.
Ali, no portão da rua, de saída, a visita se demorava um pouco mais, a conversa se estendia e, quase sempre, uma confidência se revelava. “Por favor, fica entre nós!”. Sim, ficava entre eles o segredo até então guardado a sete chaves. A visita confiava, o dono da casa ouvia de bom grado o que nem gostaria de saber. Mas, enfim, estava feito.
Hoje, nos visitamos digitalmente, as mensagens abreviadas num vocabulário novo, mais rápido e mais ágil, e as visitas de antigamente, o café com bolo, os docinhos, as conversas tão boas e a porta da rua sempre aberta ficaram num passado que não volta mais.
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