Alguns ensaios sobre a Saúde
As virtudes e os riscos da “miraculosa” Aspirina
Quando a aspirina – marca comercial que designa o ácido
acetilsalicílico – surgiu no mercado, em fins do século 19, foi saudada
como “droga milagrosa” por sua capacidade de aliviar as dores
e baixar a febre e também por suas propriedades antiinflamatórias,
apreciáveis no tratamento de doenças reumáticas e artrites.
Desde então, nenhum outro remédio tem sido tão amplamente
usado para as mais diversas finalidades. O mundo consome
atualmente 50 mil toneladas de aspirina, recorde absoluto para um
medicamento. Nos últimos anos, essa droga baratíssima e centenária
foi revestida de novas virtudes.
Sua principal desvantagem – a de provocar hemorragia –
converteu-se numa vantagem terapêutica, ao ser ministrada a pessoas
que correm o risco de sofrer ataques cardíacos e outros distúrbios
provocados por coágulos sanguíneos.
A aspirina, com efeito, bloqueia a formação, nas plaquetas
sanguíneas, de um poderoso agente coagulante, o tromboxane. “Se
você tomar aspirina durante quatro ou cinco dias seguidos e fizer
um corte no dedo, verá que o sangramento será muito mais prolongado”,
explica um especialista francês. A aspirina fluidifica o
sangue.
Estudos recentes demonstraram que a aspirina, em doses
baixíssimas, pode evitar a formação de coágulos responsáveis por
certos tipos de infarto e derrames cerebrais. Os estudos efetuados
até agora sugerem que a aspirina reduz o risco de um segundo ataque
cardíaco em cerca de 20%, mas ainda não se sabe se ela pode
prevenir o primeiro ataque cardíaco. Segundo a revista Newsweek,
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muitos médicos norte-americanos apostam que sim e estão diariamente
indicando-a com essa finalidade.Mas as virtudes da “droga milagrosa” não param por aí. Alguns
ortopedistas acreditam que ela estimula a regeneração de cartilagens
e vários oftalmologistas levantam a possibilidade de que ela
possa retardar o avanço da catarata. Há indícios, também, de que a
aspirina pode ser útil até contra o câncer. Pesquisas realizadas na
Universidade de Haward, em Washintgton, sugeriram que a droga
torna mais lento o crescimento de tumores em animais de laboratório.
O Reverso da Medalha
A aspirina, porém, está longe de ser uma droga isenta de riscos,
como geralmente acreditam os leigos, embora possa ser adquiridasem receita médica em qualquer farmácia ou drogaria. Muito
ao contrário, ela apresenta vários efeitos colaterais indesejáveis, alguns
graves. A aspirina, na verdade, é uma faca de dois gumes. Em
doses muito elevadas, em lugar de curar ela pode produzir o aglutinamento
dos trombos (coágulos sanguíneos intravasculares), afetar
o miocárdio ou estimular o centro respiratório, provocando convulsões
às vezes mortais. Mesmo em doses normais, o contato de seus
cristais com o estômago tem o inconveniente habitual de produzir
sangramentos que podem levar a uma gastrite erosiva e até a úlcera.
Para diminuir esse flagelo, surgiram no mercado preparações combinadas
ou com revestimento, ou ainda sais neutralizados do ácido
acetilsalicílico. Esses diversos refinamentos evitam o inconveniente
devastador do contato dos cristais sólidos com a parede estomacal,
mas produzem uma quantidade maior de sangue oculto nas fezes e
não impedem a ação chamada sistêmica do medicamento que, ao
entrar na circulação sanguínea, conserva todas as suas propriedades,
inclusive a de afetar o estômago.
Os estudiosos afirmam ainda que a aspirina é uma das grandes
responsáveis por alterações das funções renais e inclusive por
nefropatias mais sérias. Às vezes, a droga também causa modificações
sobre o fígado, especialmente em pacientes portadores de lúpuseritematoso sistêmico, nos quais a incidência de “hepatite” por salicilatos
chega a 70%.
Quase todos esses efeitos indesejáveis já são conhecidos há
bastante tempo. Mas o seu efeito mais assustador só foi descoberto
recentemente: a aspirina pode ser extremamente perigosa quando
ministrada a criança com gripe ou catapora.
A aspirina, ou ácido acetilsalicílico foi originalmente extraído
da flor da espírea ou rainha dos prados, do salgueiro e de outras
plantas afins usadas como medicação desde a Antiguidade. Atualmente,
porém, ela não é mais extraída de plantas, mas do alcatrão
de carvão ou de derivados do petróleo.
Na Universidade Estadual de Campinas, orientamos um projeto
de pesquisa científica, focalizada na ação desacopladora dos salicilatos,
sobre a cadeia respiratória.
Foram motivos de teses de Mestrado e Doutorado, temas relacionados
com a diminuição da efetividade terapêutica de diversos
medicamentos, quando associados à terapêutica com os salicilatos.
Esses trabalhos foram realizados em Respirômetro de Warburg,
com cortes de gengiva humana submetidos a diversas variáveis,
tais como antibióticos, micro-organismos, temperatura e pH.
Os resultados dessas pesquisas mostram uma diminuição da
resposta orgânica dos pacientes quando submetidos a associações
medicamentosas contendo salicilatos e indicam como fator principal,
a desacoplação de cadeia respiratória, estudada por diversos
autores entre os quais Smith (1989).
Generalismo x especialismo:
um enfoque da área médica
Partindo do pressuposto de que a problemática da educação
de qualquer país, é conseqüência, e não causa, de toda uma situação
sócio-política, econômica e cultural, deveríamos debater alguns dados
para podermos compreender os rumos do ensino superior em
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geral e do ensino na área médica, em particular, que iremos analisar.
Após a Segunda Guerra Mundial verificamos que a transmissão
da cultura, compromisso tradicional da Universidade, foi
cedendo lugar a uma filosofia de preenchimento das necessidades
imediatas. Substitui-se a ética do ser pela ética do ter.
O aluno é visto como um produto para o mercado de trabalho.
Os vestibulandos passam a procurar as profissões cuja imagem
é de sucesso no campo econômico e social. Não se indaga se o aluno
tem aptidão para determinada profissão, quais suas capacidades,
tendências, indicações ou vontades.
Na área da saúde, há necessidade de generalistas, mas formam-
se especialistas.
É necessário dedicar maior atenção aos problemas coletivos
de saúde, mas os formados estão orientados para os problemas individuais.
Particularmente na área da saúde, surgem especialistas e técnicos
que lançam mão de métodos sofisticados, instalações luxuosas,
custos elevados, destinados a atender a uma pequena parcela da
população economicamente privilegiada.
O restante da população, quando consegue algum tipo de tratamento,
este é feito em serviços mal instalados, deficientes em pessoal
e material, onde consequentemente, o atendimento é precário.
As técnicas, as terapêuticas, os materiais, os equipamentos
cada vez mais caros, vão também diminuindo o número de profissionais
que podem instalar sua clínica particular. Diminui o número
de profissionais que trabalham em consultório próprio e o que
vemos hoje é o aumento do número de assalariados, empregados de
empresas privadas ou funcionários de serviços estatais.
Do ponto de vista da prática liberal, não há clientela para
os mais de vinte mil profissionais, que se formam por ano na área
médica.
E mais, uma vez que o corpo docente que encontram é exatamente
formado por especialistas de alto renome e grande sucesso, a
ideia que lhes é inculcada é de que somente se especializando é que
os mesmos poderão sobreviver.
A Universidade passa a ter dificuldade de proporcionar ao
estudante uma visão crítica da realidade profissional.
O aparelho formador de recursos humanos se vê diante de
um dilema. Como administrar o fato de ter que ensinar uma sofisticada
tecnologia de ponta e, ao mesmo tempo, despertar a atenção
para as necessidades de uma população extremamente carente?
Torna-se fundamental estruturar os currículos em função das
necessidades da sociedade de hoje e não pelas divisões do saber, que
se expressam nos dias atuais pelas especialidades existentes.
Dever-se-ia incentivar, nos currículos, uma ótica social assumida
pelos professores e não existir simplesmente uma outra disciplina
estanque praticamente criada para aliviar os demais docentes
dessa responsabilidade e que inclusive acabam por hostilizar essa
visão porque está em dissonância com tudo que ensinam.
Em síntese, é necessário formar um clínico geral com sensibilidade
social, capaz de prestar assistência primária de saúde, com
conhecimentos básicos das ciências do comportamento e da realidade
sócio-econômica que o envolve, e que veja o seu paciente como
um ser singular bio-psico-social.
Outro problema é a má distribuição dos profissionais no país.
A Organização Mundial de Saúde prevê três mil pacientes para cada
profissional. No sul do país e especialmente no Estado de São Paulo
esse número é aproximadamente trezentos, o número de profissionais
é exagerado.
Em compensação, no Norte e Nordeste ocorre o inverso. Lá
temos cerca de doze mil pacientes por profissional. Assim, enquanto
no Sul do país os profissionais de saúde estão em grande número,
no Norte e Nordeste eles estão em falta, principalmente os generalistas.
Com isso, obviamente, não pretendemos acabar com os especialistas,
porém a especialização é um mal, mas é um mal necessário
e inevitável, porque a vastidão dos conhecimentos não permite hoje
o enciclopedismo e nem todos têm as aptidões e qualidades que certas
especialidades exigem.
É preciso, portanto, que haja especialistas, mas o que queremos
dizer é que não se deve transmitir ainda nos bancos escolares
uma visão fragmentada da profissão, sem antes armazenar uma cultura
geral e básica da área médica.
Se o especialista vem com o tempo e com o amadurecimento,
convém combater com veemência o “especialismo”, isto é, especializações
exageradas que surgem dentro das já existentes, fragmentando
cada vez mais o saber e fazendo com que os profissionais saibam
cada vez mais de cada vez menos.
Como não se desenvolve nas Faculdades esta filosofia, os
profissionais formados acabam se frustrando por falta de conhecimentos
gerais básicos e diminuindo muitas vezes a qualidade dos
serviços que oferecem.
Por outro lado, aumenta dia-a-dia o número de desempregados
e subempregados. Ficamos assim com duas populações carentes:
uma formada por clientes em potencial que não têm como pagar
pelos serviços recebidos, e outra de profissionais que não receberão
uma prestação pecuniária pelos serviços que poderiam oferecer.
O equacionamento desse impasse, na nossa opinião, está em
voltar a ensinar a ética do ser, isto é, desenvolver nos currículos da
área médica-odontológica os aspectos afetivos ao lado dos cognitivos
e psicomotores da profissão.
É o caso do ensino da sociologia, da psicologia, da orientação
profissional, enfim das chamadas ciências sociais que hoje formam
o fulcro que vai separar aqueles que ainda enxergam a profissão médica
de forma microscópica, daqueles que tem uma visão macroscópica
da mesma.
Estes últimos estarão aptos a analisar os aspectos políticos,
econômicos, e psicossociais que envolvem o seu dia-a-dia.
Com este esboço apresentado, formar-se-iam profissionais
que não ficam nos seus consultórios como se estivessem presos em
uma redoma, mas sim preocupados com as entidades de classe que
os representam, com as Faculdades que os formaram, com os professores
que os educaram e com a população que espera deles uma
resposta para os seus problemas.
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