Conto de Natal
Pequenos sorrisos esboçados ao acaso carregam-nos à ciranda da saudade, trazendo do âmago de nossa memória reminiscência de um tempo não há muito passado.
Relembrando esse tempo, sentimos no peito uma nostalgia que insiste em ficar:
Aos poucos, os ruídos confusos do comércio foram-se acalmando; era noite, estávamos na véspera do Natal, as lojas corriam suas portas, pessoas carregadas de embrulhos e ilusões rapidamente
esvaziavam as ruas e o silêncio ocupava-lhes o lugar. Algumas vitrines permaneciam acesas, todas enfeitadas com festões, bolas de cores variadas, sininhos e os mais variados presentes,
insinuando que naquela noite Papai Noel os entregaria para todas as crianças.
Festa de luzes persistia pela noite adentro, tanto nas praças como nas residências dos mais abastados, onde a iluminação deslumbrante enchia de alegria os olhos daqueles que, em meio a abundantes banquetes, com os mais variados pratos e finas bebidas, aguardavam ansiosamente o badalar da meia-noite, para comemorarem o aniversário do Menino Deus.
A noite estava úmida, um ventinho frio e intermitente perturbava os últimos noctívagos que perambulavam pela praça, vez ou outra pequenos grupos de pessoas passavam rapidamente, em direção à Catedral, para assistirem à chamada Missa do Galo.
Bando de pardais que procuraram o aconchego nas árvores da praça perturbavam constantemente as últimas pessoas que persistiam em conversar nos bancos sob elas. Eu fazia parte desse clube
de noctâmbulos. Foi quando notei, em um canto da velha praça, um grupo de maltrapilhos garotos de rua; alguns, sonolentos deitados nos bancos, bocejavam apaticamente, mais parecendo um profundo
suspiro, transparecendo que desistiram de esperar Papai Noel; outros, empolgados pelo ar festivo da noite faziam tanto barulho que chegavam a assustar os passarinhos que dormitavam nos galhos
mais baixos.
Observando o entusiasmo daqueles garotos maltrapilhos e subnutridos, monologuei: Como podem estar assim alegres, estes pobres rejeitados da sociedade? E comecei prestar mais atenção ao que diziam.
Um pirralho comentava com outro:
-Será este, o ano de meu Natal? Ah! Se Papai Noel aparecesse agora!
Ao pronunciar esta frase, senti nela um misto de dor e esperança, como se ela fosse pronunciada por ele todos os anos... mais parecia um esquisito lamento, inundado de uma esperança sempre renovada.
Na profundeza da noite, enquanto a cidade ainda festejava com pompas o aniversário d’Aquele que humildemente nasceu numa manjedoura, eu permanecia observando os esperançosos hóspedes
daquela praça; alguns balbuciavam gírias, a mim desconexas, num tom misterioso e desconhecido; outros já reclamavam da fome e frio, e queriam silêncio para dormirem em suas aconchegantes camas de jornais.
Outros, com olhares serenos e cansados, perdiam-se na contemplação do vazio, parecia que um turbilhão convulsionava em suas mentes. E o tempo passava...
Eu, observando-os, tentava compreender o desequilíbrio social, meu jovem cérebro era uma arguição total: Quem somos nós? Que fazemos aqui? De onde viemos? Etc. etc.
Eles já pareciam acostumados com minha presença. Notei que comecei a despertar-lhes uma certa curiosidade. Alguns mais ousados começaram a perguntar:
Moço! Quem é você? Também num tem casa pra passá o Natal?
A cada pergunta, eu sorria e meneava cabeça, sem nada responder, talvez para ganhar mais confiança do grupo ou talvez por falta de coragem para a resposta. Foi quando notei que, dentro daqueles
olhos aparentemente tristes, havia ainda o sorriso infantil de uma criança!
E a curiosidade do grupo sobre seu mais “velho” novo membro aumentava, até que nos tornamos “amigos”. Mas, eis que um vento frio e invejoso, cansado de correr mundo e conhecer segredos das pessoas, infiltrou-se em nosso meio, envolvendo-nos a todos e contou ao grupo o segredo de minha alma de boêmio – eu estava ali porque gostava da noite e dos que dela faziam parte – mas trouxe também com ele uma chuvinha fina e persistente, fazendo com que aquela infância perdida e sonhadora partisse apressada, em meio de gotículas frias e impertinentes, à procura de outro abrigo mais aconchegante; mesmo na pressa da partida deu para sentir que, dentro deles também batia um coração com sentimentos fraternos, ao me
convidarem:
-Num vai com a gente, tio?
Os anos foram-se acumulando e hoje, ao ouvir os acordes sonoros das músicas natalinas, veio-me à lembrança, aquele grupo de garotos de rua:
Quantas noites depois daquela eles ficaram entregues ao sabor do vento que vergasta, do pó que asfixia e da chuva que embebe?
Quantas noites choraram e gemeram em sua solidão? Quantas noites dormiram famintos?...
Neste momento bateu-me a saudade: Saudade do vento frio e invejoso, mas tão amigo e confidente.
Saudade da chuvinha fria daquela madrugada. Saudade dos pardais inquietos e barulhentos que se embalavam nos ramos das árvores.
Saudade daqueles mesmos garotos de rua?... Não sei, pois outros existem tomando-lhes os lugares, e ...
É! garotos, meus companheiros de uma Noite de Natal, hoje vocês devem ser adultos..., por onde andam?... Entre outras pessoas e por caminhos diferentes, seguiremos nossos destinos, até..., de tudo..., daquela mística noite, uma bela
amizade surgiu, e como uma delicada flor logo murchou. Mas a recordação constante de que somos eternos aprendizes da Escola da Vida nos acompanhará sempre, pois ela está sempre ensinando e nunca diplomando ninguém. Meninos de rua! Já que os homens não os veem, olhem para o caminho do infinito e busquem, entre as estrelas, as Forças Cósmicas do Universo, para fortalecê-los, norteá-los e dar-lhes a felicidade que merecem.
A cada momento, o Criador concede a todos a bênção do trabalho; é através deste, por mais modesto que seja, que conquistarão o respeito de todos que os cercam, a riqueza das experiências, as soluções para o tédio e o socorro para todas dificuldades.
“Assim como o relaxamento é ferrugem para a enxada, em benefício do mato, o tempo vazio é o flagelo da alma, em favor das energias perniciosas que devastam nossa vida.”
Não acreditem no poder absoluto das circunstâncias adversas, a se mostrarem constantes nos eventos da marcha.
“Um inimigo pode ser: medo da dor física, sensação prematura da vitória ou desejo de abandonar a luta por achá-la que não vale a pena lutar”. Não desistam, lutem por seus direitos, por seus espaços e, quando sentirem prestes à derrota, lutem com mais energia, pois vocês também são filhos do Universo e como tal têm direito à vida!
Quer seja inteligível ou não para vocês, a evolução do Universo se desenrola conforme os planos de seu ARQUITETO, portanto estejam sempre em paz com ELE, qualquer que seja a forma de vocês concebê-Lo. Feliz Natal.
Conto para o dia das mães
Tudo começou com uma visita a um lugar que abriga pessoas idosas. Em nossa normal curiosidade, começamos a questionar, tentando entender porque tantos idosos ali concentrados!
Não teriam família, filhos, netos? Ou qualquer pessoa que pudesse compartilhar com eles um pouco do aconchego e carinho de um lar?
Foi quando chamou-nos a atenção a figura enigmática de uma senhora; idosa como os demais, mas com um magnetismo diferente dos outros; forçando-nos constantemente a voltar o olhar para aquela misteriosa mulher. Devido a nossa indisfarçável curiosidade, alguém nos confidenciou: “Está meio gagá...” “É o tempo...”, outras diziam. E outras, ainda: “De há muito foi deixada aqui ... Ela é bastante velha apesar de não aparentar tanto. Dizem que foi muito rica e poderosa, estudou até no exterior”.
Passamos então, a observá-la melhor: ora olhava as pessoas como se não existissem; outras vezes, seu olhar triste, cansado, perdia-se na contemplação do vazio. Parecia até que lembranças de um passado distante convulsionavam-se em sua mente, como se coisas proibidas pudessem desnudar segredos pelos quais devaneava sua alma sofrida.
Aproximamo-nos dela e não pudemos conter a curiosidade em saber-lhe o nome... Um leve rubor deixou transparecer, na face mutilada pelo tempo, mas cujos traços delicados deixavam nítida
uma beleza de outrora: um par de olhos azuis parecendo águas-marinhas, incrustadas num rosto macilento, à sombra de vários bucres brancos que adornavam-lhe a cabeça, emoldurando a alva tez.
Muitos a tinham visto sorrindo demoradamente ao pôr-dosol, até adormecer por algum tempo, recostada ao tronco de sua árvore preferida, deixando transparecer em seus lábios um sorriso quase infantil.
“É a saudade!” diziam os que a conheceram anteriormente. Talvez saudade de uma infância perdida no tempo... Ela, mulher, mãe e avó, também fora criança, jovem e tivera uma mãe.
Várias vezes visitamos aquela senhora, agora atraído mais pelo estranho magnetismo que pela curiosidade.
Aos poucos ganhamos sua amizade e tornamo-nos confidentes dela. Seu nome? Não importa, passamos a chamá-la carinhosamente de vovó.Contou-nos fatos de sua infância e adolescência, passadas
numa fazenda da região, de suas viagens para estudar, de seu casamento até a viuvez, dos trabalhos sem esmorecimento para criar e educar os filhos, hoje todos com família constituída. Enquanto
tivera algum capital para distribuir aos filhos e disposição para cuidar dos netos, fora tolerada, mas, na medida que os anos foram se acumulando, e doenças minando-lhes as forças, foi por eles abandonada, e a família resolveu interná-la naquele local. A princípio, amiúde a visitavam, mas com o passar do tempo esqueceram-na completamente.
Em minha cabeça, naquele momento, um turbilhão impediame de entender tanta desventura.
Quantas noites a pobre anciã chorou e gemeu em sua solidão?...
Num certo domingo de maio, voltamos a visitá-la para levar algumas guloseimas, e a encontramos em seu leito bastante debilitada. Brancas madeixas emolduravam um rosto ainda altivo, apesar
da doença, deixando transparecer que, aquela mulher fora realmente uma figura bela, cheia de vida e energia. Olhou com espanto e emoção para os pacotes depositados sobre a cama e, de repente em lágrimas, balbuciou algumas frases quase sussurrando; beijou as mãos deste visitante, os embrulhos e
todos que estavam a sua volta.
Com certa dificuldade, voltou a balbuciar quase monologando:
-“Neste dia, a maioria das mães ganham presentes e carinhos redobrados dos filhos, outras só decepções, algumas choram de saudade porque também são filhas, outras escondem o pranto no
sorriso”. Confidenciou que durante o sono, havia sonhado o regresso junto aos seus filhos e, que na casa havia grandes preparativos para recebê-la e comemorarem o DIA DAS MÃES. Sorria envaidecida com os carinhos recebido dos netos, que dia maravilhoso estava passando, os preparativos se intensificavam, o aroma da comida caseira tomava conta do ar, fitas multicores, papéis para embrulhar presentes, risos e algazarras dos netos enchiam o casarão do sonho...
Estava cada vez mais fraca, mas teimava em descrever o sonho minuciosamente. Coisa incrível! Ante a evidência do que se descortinava, ela se mostrava agora com uma felicidade transcendente, como se pressentisse a aventura que estava para começar...
Repentinamente tudo acabou... Junto com o vento que entrava pela janela, foram-se os últimos suspiros da querida “Vovó”.De não muito longe, chegavam os acordes dos sinos do campanário, chamando os fiéis para a missa e a meditação.
Exceto eu, somente as nuvens choravam neste momento; uma chuva fina e persistente lambia os vidros das janelas, enquanto o vento, seu companheiro de todos os dias, insistia em entrar novamente, querendo talvez dar um último passeio pelo quarto.
Um anônimo abriu uma cova no Solo Santo, que serviu-lhe de morada final, enquanto a chuvinha fria fustigava as poucas pessoas que, qual sombra no ocaso, deixavam o local silenciosamente.
E hoje, quantas mães ainda continuam sozinhas e abandona das pelos filhos? Quantas ainda choram e se revolvem na solidão?
Quantas sonham em abraçar os filhos e dizer-lhes: “Valeu meus queridos, eu os amo muito... muito..., muito!...”
Mucama
Mestiça jovem formosa,
pele aveludada, lábios carmesim.
Sentada à porta da senzala,
aguarda liberdade, cativeiro chega ao fim!
Do alto, o sol fita enamorado
por tanta beleza ali concentrada
Rosto trigueiro, olhos oblíquos consternados.
acariciados pelo vento, cabelos esvoaçados.
E a natureza sorri comovida... pois,
no Mocambo desde que surgiu,
desperta a bela cabrocha,
palpitações varonis.
Ao ouvir o sussurro do vento,
levanta-se a bela mucama.
Corpo esbelto, andar volateante,
caminha pra mata em desalento.
Deitada na relva d’uma clareira,
cotovelo em terra, sublimação.
Cabeça reclinada, contra palmas das mãos;
transforma-se toda, a cabrocha faceira.
Na doce tranquilidade da sombra morna,
ouve-se o retinir distante da araponga na mata.
Gorjeio dos pássaros, sinfonia maviosa,
natureza mãe consola a bela mulata.
Farfalhar do vento ondeando a relva,
calor tira das árvores, cheiro de incenso.
14 Revista da Academia Piracicabana de Letras
Manso regato serpeando a selva,
carrega, em suas águas, todo encantamento!
Orando, a mucama virginal;
de seus olhos lágrimas banham o chão.
Saudade de MÃE PRETA e PAI JOÃO,
naquele local moradia final!
Nenhum comentário:
Postar um comentário