Armando Alexandre dos Santos Cadeira n° 10 - Patrono: Brasílio Machado |
Esse julgamento trouxe novamente à atenção o que constituía, no passado, uma das atrações da vida cultural brasileira: o enfrentamento, num tribunal, de dois grandes advogados, defendendo posições contrárias e esgrimindo argumentos jurídicos em eloquentes discursos bem planejados e ainda melhor proferidos.
Isso trouxe também à memória a velha distinção, que se fazia, entre Oratória e Retórica. Perguntei certa vez a uma grande professora de História Antiga, que usava muito as duas expressões, qual a diferença entre ambas.
Ela − Profa. Semíramis Corsi Silva − me respondeu que Oratória era a arte de falar bonito em público, enquanto Retórica era a técnica de convencer o público de determinada convicção. Oratória é, pois, sobretudo arte, enquanto na Retórica é a técnica que assume papel decisivo.
O orador deve, antes de tudo, agradar ao seu ouvinte. Deve também ser claro e ser capaz de comunicar-lhe sua íntima convicção.
Aplicam-se ao orador os três requisitos que Santo Agostinho apontava para o bom escritor: agradar, esclarecer e mover os seus leitores. Para agradar, o escritor deve escrever – e, acrescento, o orador deve falar – com beleza; ambos devem ser claros e não confusos nem obscuros, se querem esclarecer seu público, seja ele leitor, seja ouvinte; e, para mover eficazmente esse público, o escritor ou orador deve manifestar-se com calor, com entusiasmo, intimamente convencido daquilo que transmite.
Os gostos estéticos, no que diz respeito à Oratória, variaram muito no decorrer dos séculos. Enquanto os antigos apreciavam a linguagem elevada e solene, em tom claramente declamatório, e se entusiasmavam com belas figuras de linguagem, com antíteses bem ajustadas, com objurgatórias, com increpações e apóstrofes, nas últimas décadas se vem preferindo um estilo mais simples, mais coloquial, mais próximo da conversação corrente.
O bom orador, de acordo com os costumes de hoje, é aquele que fala para um auditório inteiro no tom de quem está conversando com cada um dos presentes em particular. Ele não pode tomar ar professoral (a menos que seja, de fato, professor e esteja se dirigindo a seus alunos), para não parecer pretensioso e antipático. Também não pode usar palavras difíceis demais, que escapem ao nível de conhecimento médio, ou até básico, dos presentes, para não parecer pedante. E sobretudo não pode – o que seria o maior dos erros ─ traduzir ou explicar demais algum termo mais difícil, porque seria passar, para todos os presentes, atestado de franca ignorância.
Quanto à Retórica, no passado muito se estudou e se teorizou sobre ela. Em Lógica Formal se estudavam as regras do silogismo, do raciocínio dedutivo e indutivo, reduzidas, se não me falha a memória, a oito possíveis estruturações de raciocínio correto. E se estudavam as inúmeras formas de paralogismos, ou falsos silogismos, decorrentes de não se respeitarem as estritas normas da Lógica Formal.
Os silogismos, havia que fazê-los sempre a partir de duas premissas, sendo uma maior e outra menor. Havia que tomar muito cuidado para evitar falsas premissas maiores, ou seja, proposições aparentemente (e até formalmente) gerais que, no entanto, embutiam uma restrição que as tornava menores; e havia que estar. igualmente atento para que, em ambas as premissas, termos idênticos fossem entendidos com idêntica extensão. Havia que evitar silogismos baseados em duas formulações negativas, a menos que uma delas fosse duplamente negativa, ou seja, tivesse sentido afirmativo.
Enfim, muitas eram as regras. Era uma teorização, ou pelo menos uma tentativa de teorização, do bom senso mais elementar em matéria de raciocínios humanos.
A Retórica se preocupava, também, em prever as reações do público. Um de seus recursos habituais eram as prolepses, ou seja, a previsão antecipada das objeções que pudessem estar surgindo no espírito dos ouvintes. Procurava, também, prevenir as distrações e esquecimentos dos ouvintes, fazendo, de tempos em tempos, oportunas recapitulações da matéria.
Quando se trata de um discurso feito em oposição a outro (como no caso dos tribunais de júri), é importante o orador saber predispor o público em favor da idéia que defende, assim como desqualificar (às vezes de modo sutil, outras vezes abertamente) a pessoa e os argumentos do opositor. Nessas horas, até a ironia ou o humor tem seu papel.
A mesma professora de História Antiga a que me referi no início deste artigo desenvolveu, em sua dissertação de mestrado, uma longa análise, do ponto de vista retórico, de um discurso judicial proferido em Roma, no século II d.C., por um famoso orador, Apuleio de Madaura. Ela demonstrou como Apuleio conhecia bem, e aplicou ponto por ponto, no seu discurso, todas as regras da retórica então aceitas e divulgadas nos tratados de Retórica.
Interessante é notar que, em linhas gerais, muito pouco mudaram as coisas desde os tempos de Apuleio até hoje... Fundamentalmente, as mesmas técnicas e artifícios usados por ele foram aquelas usadas pelo promotor que acusava, e pelo advogado que defendia, o casal acusado do bárbaro assassínio de Isabella.
Escrevo estas linhas em homenagem à memória do Acadêmico Antonio Henrique Carvalho Cocenza, grande advogado e grande amigo, que no início deste ano nos deixou. Ele foi, também, um mestre da Oratória e da Retórica.
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