O casal de velhinhos sentado na sala no dia frio, conversava desanimadamente por entre as dentaduras já folgadas nas gengivas murchas, tão murchas, que a porção superior dos dentes artificiais já não parava no lugar.
Via-se um movimento lateral incessante
das mandíbulas dos dois nos intervalos das conversas, que um observador não
entenderia a razão.
A pele tal qual colcha de crochê cobria
aqueles corpos físicos, já quase em fase de transição para a dimensão etérea.
As mãos estavam cheias de manchas roxas,
devido a fragilidade dos vasos. Ele noventa e nove anos, ela noventa e cinco.
Nem mais assistiam televisão, há alguns
meses queimada, pois não tinham dinheiro para consertá-la.
Começam a conversar, lembrando que àquela
hora da Ave Maria, já havia começado a novela das seis, e eles, sem poder
assistir. A singeleza da novela de época, levou os pensamentos dos dois a
relembrar os velhos tempos passados, os beijos apaixonados, que hoje, nem
pensar, ainda mais com as dentaduras soltas. Podiam até engasgar, quem sabe,
até morrerem asfixiados.
Entre lembranças e risos, as mentes
foram regredindo no tempo.
O frio aumentou, seus pés estavam
gelados.
Lembraram as noites de namoro no portão,
no banco branco do jardim da praça, o avanço dele, casa adentro, eles no sofá
da sala. Voltaram no tempo e lembraram do primeiro baile quando se conheceram. As
pedrinhas na janela para acordá-la e lembrar que ele por ali passava...o
primeiro beijo...
A noite esfriou ainda mais, tentaram levantar,
mas os corpos pesados, sem forças e frios, já não saiam do lugar, por mais que
se esforçassem.
Num ato de desespero e esforço, como em
um parto difícil, saltam para fora dos corpos e se sentem novamente no calor da
juventude.
Somente o gato deitado sossegado no
tapete, levantou a cabeça e ficou arrepiado, assustado vendo os dois novamente
jovens, de mãos dadas, felizes, correndo em direção a um cone de luz brilhante.
E o gato?Ah, o gato velho, ficou sem dono...
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