Armando Alexandre dos Santos Cadeira n° 10 - Patrono: Brasílio Machado |
Recordo
que, em princípios dos anos 70 do século passado, o Papa Paulo VI se referiu ao
ambiente cultural já então prevalente no mundo inteiro, designando-o como “a
civilização da imagem”. Nas últimas quatro décadas, esse fenômeno então
apontado pelo Papa se intensificou sobremaneira: cada vez mais as imagens, os
ícones, os símbolos gráficos ocupam espaços da nossa atenção, os quais antes
ocupados pelas palavras, pelas frases, pelos pensamentos, pelas abstrações
puras.
O
predomínio cada vez mais dominador da televisão sobre o rádio e, ainda mais,
sobre o jornal, é bem indicativo desse fenômeno, que se faz notar em todos,
absolutamente todos, os campos da atividade humana.
O hábito
da leitura, cada vez mais vai se tornando minoritário, praticado por um número
decrescente de pessoas. Para que ler jornais, se o noticiário já nos é entregue
pronto, embalado, até “mastigadinho” pelos noticiários televisivos diários? E,
sobretudo, para que ler livros, que são caros, dão trabalho, tomam tempo e, no
final das contas, “rendem” a quem os lê três ou quatro informações ou
pensamentos que podem ser obtidos, sem custo nem trabalho, mediante a
assimilação passiva de algumas poucas frases que a mídia televisiva nos oferece
diariamente?
Por que ler livros científicos, se é possível assistir na tela, aprazivelmente, a programações de canais especializados na divulgação científica? Por que ler tratados filosóficos difíceis de entender e digerir, quando se tem ao alcance imediato inúmeros programas do tipo “você decide”, nos quais não há necessidade de raciocínios ou argumentos demonstrativos, bastando, como fórmula mágica invariavelmente aplicável, o célebre “achismo” para fundamentar qualquer afirmação?
Por que ler livros científicos, se é possível assistir na tela, aprazivelmente, a programações de canais especializados na divulgação científica? Por que ler tratados filosóficos difíceis de entender e digerir, quando se tem ao alcance imediato inúmeros programas do tipo “você decide”, nos quais não há necessidade de raciocínios ou argumentos demonstrativos, bastando, como fórmula mágica invariavelmente aplicável, o célebre “achismo” para fundamentar qualquer afirmação?
O fato é
que há uma diferença enorme entre a cultura adquirida pela leitura e a
“cultura” (embora politicamente incorretas, pus de propósito essas aspas...)
assimilada passivamente pela televisão. Essa é a grande realidade.
Um bem
conhecido educador piracicabano de nossos dias, Dr. Samuel Pfromm Netto,
professor de Psicologia Educacional da USP, é um homem que conhece
profundamente a televisão brasileira (pois trabalhou muito na TV Cultura) e é,
ao mesmo tempo, profundamente crítico da má influência que a TV pode produzir
sobre a formação das novas gerações.
Quando eu trabalhava em jornal, recordo que certa ocasião tive ocasião de entrevistá-lo e ele me explicou, em pormenores, o funcionamento da psique humana diante de informações novas. O espírito humano, ensinavam os escolásticos medievais (e, antes deles, os gregos antigos) procede normalmente em três etapas: ver, julgar, agir.
Quando eu trabalhava em jornal, recordo que certa ocasião tive ocasião de entrevistá-lo e ele me explicou, em pormenores, o funcionamento da psique humana diante de informações novas. O espírito humano, ensinavam os escolásticos medievais (e, antes deles, os gregos antigos) procede normalmente em três etapas: ver, julgar, agir.
Inicialmente,
vê-se. Ver, aí, tem significado amplo, incluindo não só aquilo de que se toma
conhecimento pela visão ocular, mas tudo o que chega ao nosso conhecimento pela
via de qualquer um dos sentidos.
Em segundo
lugar, julga-se. Ou seja, diante de algum estímulo externo, procede-se a um
julgamento: isso é bom ou mau? é certo ou errado? é belo ou feio? está de
acordo com o que eu já sabia ou é algo novo? Se for novo, como incorporar ao
conjunto dos conhecimentos anteriores? Essa incorporação é harmônica ou é
conflituosa? Se for conflituosa, julga-se, em face do dado novo, o que já
estava assentado.
Depois
desse esforço crítico e analítico, vem a terceira etapa: age-se. Agir, no caso,
não é só fazer alguma coisa, mas é exercer formalmente a vontade, mesmo que
esse exercício não se traduza numa ação externa.
Esse é o
procedimento normal do nosso espírito diante de todos os dados novos que
apreendemos pelos sentidos. É assim que exercemos nossa racionalidade, nossa
liberdade individual. Esse exercício, aliás, é indissociável dos direitos
humanos mais elementares que cada indivíduo possa dispor livremente de si
mesmo, ao longo de todo esse processo racional-volitivo. E é, também,
indissociável da noção de Democracia, tal como geralmente se entende esse
nebuloso conceito: só se admite a soberania popular se se partir do pressuposto
de que cada elemento do povo, individualmente, exerce seu senso crítico e o
traduz externamente pelo exercício constante da cidadania e pelo exercício
periódico do voto.
Pois bem,
como explicou o professor Pfromm Netto, o grande problema é que a televisão,
pela rapidez com que comunica aos assistentes suas mensagens, visuais e
auditivas, não permite que o espírito humano desenrole com normalidade o seu
processo crítico e volitivo. De fato, cada segundo da programação é
supervalorizado e aproveitado ao extremo. Sucedem-se em rapidez vertiginosa
estímulos dos mais desencontrados: uma cena de violência espantosa, em seguida
uma paisagem deslumbrante, depois uma cena de sexo, depois um comercial, depois
uma cena enternecedora, depois outra violência etc. etc. E tudo de modo a
produzir, no assistente, um suceder de impressões contraditórias que não têm
tempo de serem criticadas e julgadas livre e racionalmente.
Isso
produz um apassivamento acentuado do público, que acaba perdendo o hábito de
refletir e criticar. E, depois de perder o hábito, o exercício da crítica
torna-se penoso, torna-se algo que incomoda e se prefere evitar. É mais cômodo
repetir, impensadamente, ideias prontas, que nos chegam à maneira de slogans
publicitários...
Esse o
grande drama da educação moderna, esse o grande drama da Democracia moderna.
Repousa esta última, mentirosamente, sobre o mito de um povo teoricamente
soberano, mas que na realidade não pensa e é habilmente conduzido por impulsos
cientificamente projetados a partir de imensas máquinas de propaganda.
É claro
que há exceções. Sempre há as minorias pensantes... mas que podem fazer elas
diante de maiorias acarneiradas e disciplinadas?
* texto publicado no jornal "A TRIBUNA PIRACICABANA"
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