João Umberto Nassif Cadeira n° 35 - Patrono: Prudente José de Moraes Barros |
Chico Mola, nascido e batizado como Francisco José da Cruz, era o mais
velho dos sete irmãos. Nega Tereza era mulher de fibra, quando o safado do
Oscarlino se engraçou com a mulatinha Zuza, que lavava roupa na barranca do
rio, coxas grossas, a paixão desvairada mudou a vida da família. Nega Tereza,
cheia de razão colocou os dois desavergonhados para correr. Ficou a criançada,
uma escadinha de sorrisos fáceis, alvos, barriga vazia, se não fosse a ajuda do
padre e dos vizinhos todos estariam na cova. Nega Tereza passou a fazer de
tudo, faxina, à noite ajudava na cozinha de um bar e restaurante, lá ela
ganhava um pouco mais de comida para levar aos famintos bacuris. Como na vida
tudo se ajeita, o tempo vai curando feridas, consertando estragos, André
Maquinista arrumou um emprego para Chico Mola. Ajudante de cozinha no vagão
restaurante. Com a prática de quem servia mais seis irmãos enquanto a mãe
trabalhava fora, logo Chico Mola tornou-se elemento fundamental na cozinha do
vagão restaurante. O que matava era o calor, o uniforme, tudo isso naquele cubículo,
com fogão quente. Os passageiros queriam ser bem servidos, aproveitarem da
vista que o vagão oferecia, um ou outro, tomava um chope sentado em uma das
banquetas, e logo saia. Filé com fritas, feito pelo Chico Mola era o prato sem
concorrência. Uma noite escaldante, o trem deslizava enquanto os passageiros
sentados em uma mesinha, bebericando um vinho, lendo “O Cruzeiro”, ou
discutindo a bolsa do café. Chico Mola não aguentou mais, tirou o jaleco branco
e ficou de camiseta regata. Desse dia em diante era assim que ele passou a
cozinhar. Com uma toalha enrolada no pescoço limpava a fronte do suor.
Francisco Aragão Menezes era um jovem, filho de afamado cafeicultor. Era
sujeitinho intragável. Possuía uma caderneta que levava no bolso, com endereços
das mariposas de plantão, que o atendiam com muito amor ao recheio da sua
carteira. Nariz arrebitado, usava uma bengala mais como adereço do que por
necessidade, enlouquecia os alfaiates para dar o caimento perfeito naquele
corpo franzino. Cabelos impecáveis, assentados com vaselina perfumada, era uma
cópia latina de alguém que se julgava autêntico cidadão britânico, graças aos
anos que lá viveu enfurnado em bordéis. Com muito custo diplomou-se, dizem até
que o equivalente a muitas sacas de café foram doadas para a universidade se
ver livre de tal espécime. Sentado em confortável mesa, Francisco Aragão
Menezes, também conhecido, sem que soubesse, por Dr. Vaselina, pede um vinho
raro, Château Margaux 1900, de que por dessas coincidências incríveis existia
em estoque uma única garrafa, ninguém tinha tido coragem de pagar o seu preço.
Servida a bebida, a entrada, o prato principal: Filé com fritas. Um silêncio
mortal reinou no vagão quando Dr. Vaselina esbravejou: “Esse filé está mal
passado, o boi está quase berrando”. Imediatamente, o chefe de cozinha levou o
filé para que Chico Mola o deixasse no ponto. Alguns minutos depois, o
impaciente Dr. Vaselina degustou o melhor filé com fritas da sua vida. Mal
sabia que antes de se levado para a chapa, Chico Mola, tinhoso, tinha
adicionado o suor que escorria do seu rosto ao filé mal passado. Ainda embolsou
cinco mil réis como gratificação.
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