Marisa F. Bueloni Cadeira no 32 - Patrono: Thales Castanho de Andrade |
Alguns amigos queridos, quase que sem o saber, estão sempre me inspirando. Sou fã deles e delas, leio seus textos e poemas, pego carona no sonho de cada um, no rastro de estrelas e pedaços de luar que vão deixando atrás de si. Pego na rabeira, me segurando para não cair na brecada da vida.
O que seria de nós sem a influência bendita do que lemos, do que vemos e ouvimos? Uma frase solta, entreouvida no supermercado, ou de alguém no carro ao lado, em plena espera do farol, é matéria-prima para uma crônica do cotidiano. Abençoado momento de inspiração.
Alguém disse “no meu tempo”, e a expressão me reportou ao passado, embora ele esteja ali, bem pertinho, naquele lindo quarteirão onde ainda existe a nossa casa ancestral.
Quem não se lembra da casa onde morou quando criança? Eu lembro. O portãozinho gracioso rente à rua, a mureta encantadora para brincar de casinha, um jardim e a trepadeira agarrada às paredes do terraço sombreado.
Que felicidade o quarto com uma janela dando para a magnífica visão do Paraíso: o quintal do vizinho, que deixava entrever a copa das árvores, os pés de frutas. Segundo o poeta, era o lugar mágico onde toda maçã nascia, todo balão caía.
Não se pode falar de sonho e saudade sem falar das serenatas. Cadê a turma de violão em punho, pelas madrugadas, o sereno da noite e a voz que saía maviosa do peito apaixonado? A namorada lá dentro da casa tinha por obrigação acender uma luz externa, para indicar que estava acordada e ouvindo.
Uma vez, meu pai, muito bravo com uma de minhas irmãs, não a deixava acender a luz. “Mas, pai, é falta de educação ficar de luz apagada com a serenata lá fora...”. Ela acendia, meu pai apagava. Eu era pequena, ainda não estava na idade de ganhar serenatas (depois ganhei muitas) e achava graça naquela briga deliciosa. Minha mãe andando de camisola pela casa, sonolenta, sem saber se ia contra ou a favor. O olhar de sofrimento da minha irmã! E a música romântica lá fora, tocando nossa alma. Que madrugada mais linda.
Quem conseguia pegar no sono novamente, depois de uma cena daquelas? Puro sonho. Estas coisas maravilhosas somem da nossa frente como um sopro de fumaça. Ficamos perdidos, tateando aqui e ali, buscando o intangível.
Lembro de uma valsa maravilhosa, “Rapaziada do Brás”, na voz inconfundível de Carlos Galhardo. Sim, os ternos madrigais, as noites de seresta, imagens de um passado que não volta mais. A letra diz assim: “Hoje os anos correm muito mais/ e as noites já não têm calor/ E uma saudade imensa / é tudo quanto resta ao velho trovador”.
Felicidades, ó vida. Não deixes morrer o sonho que nos habita. Tu mereces uma felicitação pelo que fazes conosco, candidatos ao pó. Pois é nisto que nos tornaremos um dia. Meras cinzas, sinal de que uma fogueira poderosa nos consumia o tempo todo.
Que essa poeira de estrelas a que somos destinados nos reúna a todos num banquete, o mais belo e o mais eterno, onde a luz jamais se apaga. E lá, certamente, o sonho não terá fim...
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