Marisa F. Bueloni Cadeira no 32 - Patrono: Thales Castanho de Andrade |
Sofri um ataque do demo. Foi. Deste mesmo que você está pensando. Do capeta. Vade retro! Três dias e três noites sem dormir e sem comer. Tomar banho, tomei. Bem que ouvi um rumor de patas a minha volta, mas julguei fosse o tropel dos cavalos do Apocalipse. Não era. Era o tinhoso em pessoa me atacando pelos flancos. De frente, ele não tem coragem. Covarde das trevas. |
Acredite ou não, sofri o ataque. Por um breve
descuido do meu Anjo. Deu brecha, o “encardido” entra. Por onde menos se
espera. Pérfido, ardiloso, sorrateiro. E faz um estrago geral. Desgraçado!
Aparece agora, e espeto teu traseiro com a ponta da minha espada afiada no
zelo apostólico! Vem, que te expulso com um cabo de vassoura e meu terço
bento, vindo do santuário de Fátima.
Como aconteceu? Ah, foi só começar
aquele primeiro parágrafo: “Madre Tereza de Calcutá sentia a escuridão, o
frio e o vazio dentro de si....” – e ele atacou. Ele é a treva, o coisa-ruim
que faz insinuações, feito a serpente seduzindo Eva: “Olha lá, sua tonta”.
Sua tonta... Quem é tonta?
Valei-me Nossa Senhora das Graças! São Miguel Arcanjo, príncipe da
milícia celeste, defendei-me! Meu santo padre Pio de Pietrelcina! Santa
Brígida da Suécia, minha protetora e padroeira das viúvas!
Bastou invocar o nome de São João da Cruz no
texto, para o cão raivoso uivar das profundezas abissais, lá da sua quentura
eterna. Disse, me desafiando: “Não vai publicar, não vai.” Respondi: “Pois
vamos ver”. Ah, seu devorador de almas! Ainda há Quem vença esta batalha. Existe
Alguém acima de ti.
Sim, a fera me atacou. Foi ele. Aquele que
ruge à nossa volta como um leão. Foi esta criatura tenebrosa que espreita
nossas portas, camas e mesas, passa por todos os vãos, sobe no telhado, espia
lá de cima, conhece o que fazemos e o que amamos. Por Deus, como não
adivinhei de imediato? Caí que nem pata em suas artimanhas.
Ah, que eu tenho bem guardado meu vidrinho de
água benta, o sal exorcizado, a vela de sete dias, o escapulário marrom, o
óleo de São Rafael e a água da fonte de Lourdes. No pescoço, a medalha de São
Bento, que só tiro para fazer cirurgia. Mas vem cá, seu miserável duma figa!
Vem, se tu és homem, que eu sou uma mulher destemida. É isto que te incomoda?
Que um considerável contingente de bonitas e cultas se esforce para imitar as
virgens sábias da parábola, e mantenham bem providas de azeite as suas
lâmpadas?
Vem, que te arrebento as fuças, seu traste
imprestável. Estou pronta para te enfrentar com minhas santas armas. Há um
exército de anjos acampando em torno da minha casa e não perdes por esperar.
Corre daqui, seu sacripanta! Ou faço espumar o teu rabo. Some, ou meto uma
bala de prata na tua testa. Vou ficar de tocaia, montar campana e, ao menor
sinal de teu rastilho, empunho meu pequenino crucifixo do Senhor no Calvário,
bento por frei Haroldo.
Lutei, lutei. Santa Tereza d´Avila lutava com o
demônio e o santo padre Pio também se esgotava. Consta que a cela do padre
amanhecia toda revirada, a cama fora de lugar, os objetos atirados no chão.
De noite, no convento, os frades ouviam o barulho de cadeira voando,
arremessada contra a parede. “Escuta lá, é Pio lutando”.
Ah, combate de glória! Conheci uma mísera
parte da árdua peleja, eu que nem santa sou. Sim, o lençol revirado, a noite
duríssima. Mas o que é isso, afinal? É minha alma em luta, meu espírito
intrépido no combate. Minha Bíblia sempre aberta nos Salmos, sobre a cômoda.
Meu terço embaixo do travesseiro. Minha lâmpada cheia de azeite. Meu
equilíbrio precário buscando sustentação, mas para cair é um sopro. E o
tinhoso soprou, soprou...
Só que minha corda não era tão bamba assim. E maior
minha fé, meu amor pelas coisas que amo. Imensurável a minha estima pelas
pessoas. Todas. Sem exceção de nenhuma. Consegui resistir, seu velhaco traiçoeiro.
Aparece, que te espanto com reza brava. Brava de tão boa. Como é que, aí nas
Gerais, os mineiros fazem uma reza bem forte? Mostrem para nós onde mora o
cálix bento e a hóstia consagrada.
Em nome do Pai, e do Filho e do Espírito Santo. Amém.
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