Armando Alexandre dos Santos Cadeira n° 10 - Patrono: Brasílio Machado |
Estou
chegando de Teresina, onde tive a surpresa e a alegria de encontrar um amigo
bem piracicabano.
Teresina
é a única capital nordestina distante do mar. Nesse ponto, diferencia-se de
todas as outras, o que lhe dá um caráter interiorano e provinciano muito
peculiar, muito simpático e familiar para quem reside em Piracicaba.
As
duas cidades têm, aliás, mais de um ponto em comum. Ambas gravitam, do ponto de
vista cultural, em torno de rios. Lá, o núcleo primitivo que deu origem à
cidade se estabeleceu próximo ao encontro dos dois grandes rios piauienses, o
Poti e o Paraíba. São rios largos, piscosos e, pelo menos no trecho limitado
deles que conheci, bem tranquilos, sem saltos nem corredeiras.
Indaguei
o motivo de a capital do estado se ter situado longe do mar, caso único no
Nordeste brasileiro. Explicaram-me que isso se deve a dois fatores. Primeiro, o
ponto era, no passado, de importância estratégica e comercial muito grande. O
porto de Teresina era passagem obrigatória de toda a produção de uma larga
faixa do sertão. Produtos agrícolas, carne de sol, peles curtidas, minérios,
tudo o que produzia o atual Piauí, assim como boa parte do oeste baiano, tinha
forçosamente que chegar ao mar por via fluvial, passando por Teresina, que
oferecia um porto bom e seguro.
Por
outro lado, a cidade litorânea que teria vocação natural para ser a capital do
Piauí, seria, segundo os piauienses, Sobral – que acabou ficando cearense, ao
que parece em troca de certa região interiorana que o Ceará cedeu ao Piauí. Por
isso, Teresina se impôs como a capital. Tem hoje cerca de um milhão de
habitantes.
Depois
de cumpridas as obrigações que me levaram até lá, na Universidade Federal do
Piauí-UFPI, onde foi realizado o VI Simpósio Nacional de História Cultural,
procurei conhecer algo da culinária local. Fiquei conhecendo um prato típico,
chamado Maria Isabel – uma espécie de mexido de arroz branco bem durinho e
seco, com carne de sol desfiada, cebola, alho, cheiro-verde e outros temperos. O
Maria Isabel diferencia-se do risoto porque o arroz não é cozido junto com a
carne, mas é juntado a ela depois de pronto. É, também, bem mais seco do que os
risotos italianos. O sabor é ótimo, realmente vale a pena experimentar.
No
último dia, quis conhecer um restaurante à beira rio, antigo e tradicional,
chamado Pesqueirinho. Está há mais de 50 anos instalado no local. Lá, encontrei
uma variedade muito grande de peixes de rio, e também alguns de mar. Atraiu-me
a atenção um peixe chamado piratinga, oferecido no cardápio com molho de
camarão, arroz branco e pirão.
De
início, estranhei a mistura de camarão de mar com peixe de rio, e perguntei ao
garçom se ficava bom mesmo. Ele sorriu e, com a fala calma e pausada característica
do linguajar local, respondeu: “Até hoje
ninguém reclamou e todo mundo repete e pede de novo...”
Contra
fatos não há argumentos. Decidi experimentar. E não me arrependi.
O
peixe era oferecido em posta, para duas pessoas, ou em filé, para meia porção.
Optei pela segunda opção. Alguns minutos depois, estava diante de uma fatia
generosa de piratinga, bem assada, mergulhada num molho maravilhoso feito com
farinha de mandioca, azeite de dendê, alguns outros temperos entre os quais se
destacava o coentro (nunca ausente da comida regional), e coberta por camarões
de bom tamanho. O arroz estava excelente e o pirão – que me pareceu ser o
próprio molho, mais engrossado – era saborosíssimo.
O
peixe, branco e tenro, de sabor muito suave e agradável, combinava perfeitamente,
sem dúvida, com o molho “puxado” a camarão. Foi um almoço inesquecível. Sempre
que retornar a Teresina, com certeza não deixarei de visitar o Pesqueirinho,
para comer o mesmo prato.
Curiosamente,
o peixe me parecia algo já conhecido. Eu sentia algo de familiar no seu sabor,
na sua contextura, mas nunca tinha ouvido falar de um peixe chamado
piratinga...
Retornando
de viagem, tive curiosidade de procurar investigar que peixe era esse. Foi
então que descobri que é precisamente o mesmo peixe que comemos aqui em
Piracicaba, na Rua do Porto, com o nome científico de Brachyplatystoma
filamentosum e a designação popular de filhote. Aqui, sabemos que o filhote é o
piraíba até alcançar 60 ou 70 quilos. Depois desse peso, fica muito fibroso e
duro, impróprio para ser consumido. Só salgado e seco, à maneira do bacalhau,
pode ter alguma utilização, contudo mesmo assim poucos apreciam. Chega a
alcançar mais de dois metros de comprimento, atingindo seu peso mais de 250
quilos. É considerado, a par do pirarucu, o maior peixe de água doce do Brasil
e um dos maiores do mundo.
O
nome piraíba designa o peixe adulto, com carne imprópria. Em tupi, pira (peixe)
iwa (ruim). Piratinga já tem sentido mais favorável, significando peixe branco
(tinga). Piratinga é, pois, só o filhote, antes de crescer, endurecer e ficar
com a carne mais escurecida.
Confesso
que foi uma alegria encontrar, em local tão distante, o filhote, um amigo proveniente
da região amazônica, mas que se adaptou tão bem aos paladares piracicabanos e já
é parte constitutiva da culinária da nossa Noiva da Colina.
Quem
sabe se algum cozinheiro daqui, lendo estas linhas, não se anima a tentar
preparar o filhote em filés, com molho e com pirão, à moda piauiense? Garanto
que será um sucesso!
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