Marisa F. Bueloni Cadeira no 32 - Patrono: Thales Castanho de Andrade |
Dizem que não mostro a idade.
Mas se mostrasse, que mal haveria? Temos a idade que temos, não importa se
parece ou não. Enfim. Lá pelos 18 anos, olhei à frente e pensei: vou tirar de
letra, vai ser canja. Não foi. Deus sabe os acidentes de percurso que enfrentei,
as 11 intervenções cirúrgicas a que me submeti, sendo nove com anestesia geral.
Valei-me, meu anjo da guarda!
O medo me impediu de fazer
algumas coisas. Não saltei de paraquedas, não fiz mergulho, tirolesa,
alpinismo, jumping, rapel, nada. Vivo no chão. Minha vidinha é térrea como
minha casa. Contudo, amo a beira-mar. E amo a solidão do boi no campo. Quando é
que a vida começa a se completar? Quando é que saímos do nosso casulo ancestral?
Ah,
eu era menina, e no galho mais alto da mangueira eu governava o mundo.
Ninguém elaborava leis mais belas e mais justas dos que as minhas. Comendo
manga verde com sal, eu tinha um reino lá embaixo e meus vassalos eram as
pombas do viveiro do meu irmão, os besourinhos e as borboletas. Parece que,
antigamente, havia mais borboletas do que agora. Era fácil e simples reinar do
alto da mangueira. As verdades eram absolutas, Deus fizera o mundo perfeito. Se
ameaçava chuva, dava tempo de descer correndo da árvore. Só que a vida
lá no chão era em preto e branco.
O mundo
está de cabeça para baixo ou é impressão minha? A superficialidade tem lugar
garantido nos melhores lugares. Vivemos a pior crise de valores de todos os
tempos. A mediocridade rasa está em alta. Reputam-se criativas e
espirituosas coisas absurdas. Julga-se inteligente o que não tem nexo. Um
paradoxo.
Sob
este céu pré-outonal, vejo uma energia pairando no ar, uma
força vibrando em ondulações, uma luz pulsando etérea. Não sei
o que é. Penso nos elétrons, prótons e nêutrons. Quero pegar na molécula, no
átomo, na célula viva e invisível que compõe o cenário em movimento. “Uma
árvore respira”, afirmou Giordano Bruno no ano de 1600. E não escapou da
fogueira.
Lembra
do Paulo Francis? Se você for muito jovem, talvez não se recorde. Era uma
figura. Não apareceu ninguém para ocupar o seu lugar na imprensa ou destilar
igual veneno. Paulo Francis na televisão enchia a tela. Caio Blinder, Nelson
Motta, Lucas Mendes e Paulo Francis, quatro jornalistas de primeiro time,
discutiam e celebravam os 25 anos da chegada do homem à Lua. Lucas tentava
explicar a Francis o avanço tecnológico que a conquista espacial proporcionou
ao mundo. “O velcro, o relógio digital, essa caneta que se escreve em qualquer
ângulo”. Francis e sua acidez: “E é preciso gastar bilhões de dólares para
inventar uma caneta?”. Então, Lucas Mendes não suportou e quis rebater. Mas
Francis o interrompeu, e finalizou, com sua retórica polêmica: “A corrida
espacial é uma bobagem. Não há vida em outro lugar a não ser na Terra. Quer saber
de uma coisa? O Universo é uma bosta”. Esse era Paulo Francis.
Ah, eu
queria ser inteligente, daquela inteligência matemática, de saber quanto
é 22 vezes 29 sem pegar na calculadora. Acho lindo quem sabe fazer
conta de cabeça. Eu perguntava ao meu marido: quanto é 219.758 menos 16.389? E
ele respondia sem piscar. Queria ter esta inteligência das pessoas que dizem:
eu fiz toda a parte elétrica da minha casa. Ou: eu instalei e montei
tudo isso, só com a ajuda do manual. E que raça é essa dos invasores,
esse pessoal que consegue entrar nos computadores da Casa Branca, do
Vaticano? Como é saber elaborar e modificar software e hardware de
computadores? Eu fico aqui, no tecladinho prosaico da vida, e acho tudo o
máximo. Caramba, quanta coisa que eu não sei.
Estou
encantada. Folha de graviola cura câncer. A papaya é altamente desintoxicante.
A banana tem propriedades milagrosas. E a linhaça? Também já andei
consumindo. O magnésio, tomado em jejum de manhã, amargo que nem fel é o
elixir da longa vida. Levanta defunto. Que tal um xarope caseiro de mel
com canela? Cura de asma a insônia. E o abacaxi? Ele quebra a proteína da
carne, melhora a digestão. O chá da casca de nozes pecan é outra maravilha. A
lista dos benefícios não tem fim. Experimente um dente de alho
amassadinho no prato. Cura de tudo. E as propriedades da azeitona? Você sabe o
que uma azeitona é capaz de fazer no seu organismo? O limão é tudo de bom! Comer berinjela regularmente ajuda a baixar
o colesterol. A cura pela comida é legal. Mas desenvolvi uma teoria
alimentar que é batata: como quando tenho fome. Pronto.
Não há nada de novo debaixo do sol. A não ser uma febre adquirida na contínua infecção da vida. A não ser um corpo menos ágil e um olhar mais frágil. A não ser um canto menor e um dó maior. A não ser um acaso que não vem ao caso. A não ser uma divisória no quarto da memória. A não ser uma particularidade a esta altura da idade. Fim de poema? Até terça que vem!
* Texto publicado no Jornal de Piracicaba
Não há nada de novo debaixo do sol. A não ser uma febre adquirida na contínua infecção da vida. A não ser um corpo menos ágil e um olhar mais frágil. A não ser um canto menor e um dó maior. A não ser um acaso que não vem ao caso. A não ser uma divisória no quarto da memória. A não ser uma particularidade a esta altura da idade. Fim de poema? Até terça que vem!
* Texto publicado no Jornal de Piracicaba
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