Armando Alexandre dos Santos Cadeira n° 10 - Patrono: Brasílio Machado |
Escrevo
o presente artigo na noite de 28 de fevereiro, poucos minutos depois de a
Igreja Católica ter entrado em vacância de Sé Apostólica, devido à renúncia do
Papa Bento XVI, que foi anunciada no dia 11 do corrente mês, mas somente hoje,
às 20 horas (horário de Roma), se tornou efetiva.
Nos
últimos 17 dias, os meios de comunicação social divulgaram fartíssima quantidade
de notícias e comentários sobre essa inusual e inesperada renúncia de um pontífice
romano. Com raríssimas exceções, na sua imensa maioria as matérias divulgadas
primaram pelo sensacionalismo e demonstraram, por parte dos seus redatores,
monumental ignorância sobre teologia, sobre Direito Canônico, sobre usos e
costumes da Igreja, sobre o modus
operandi interno do Vaticano. O primarismo, a falta de respeito e até mesmo
de elegância foram as notas dominantes do noticiário.
Ignorando
completamente o fato de ser a Igreja uma instituição absolutamente sui generis - cuja sobrevivência ao
longo de dois milênios pontilhados por crises e períodos persecutórios somente
é explicável por quem tome em consideração o elemento sobrenatural e divino que
a anima - os comentaristas em geral se estenderam largamente sobre os aspectos
humanos da instituição. A eleição de um papa vem sendo, o mais das vezes,
apresentada à maneira de uma eleição republicana, com candidatos, partidos,
promessas de favorecimento, compra de votos etc. etc. Pouco faltou para que se
falasse em mensalões...
Dir-se-ia
que tudo aquilo que caracteriza a política moderna, com suas baixarias, vilezas
e torpezas, se projetou para o Colégio Cardinalício, como se a eleição de um papa
em nada diferisse da eleição de um presidente de república.
No
entanto, o sistema de eleição de um papa é o que há de mais diferente do
processo de eleição de um presidente de república. Na eleição do presidente, o
voto é quantitativo, não qualitativo: votam todos, sábios e ignorantes, em pé
de igualdade, ficando todos, obviamente, sujeitos a pressões, influências,
visões distorcidas da realidade, simpatias e antipatias mais ou menos
apaixonadas, irracionais e subjetivistas.
Por
outro lado, o posto de presidente é desejado pelos concorrentes, que precisamente
por isso se candidatam. E esse desejo nem sempre é movido por intenções das
mais puras e nobres. Tudo isso são fatores que viciam o resultado do processo
eleitoral republicano.
Na
eleição do papa esses fatores desfavoráveis são muitíssimo reduzidos. Com
efeito, seria impossível, em termos humanos, conceber teoricamente um
eleitorado mais seleto e menos sujeito a paixões baixas do que o de um papa.
De
fato, dentre os católicos, só uma pequena elite é chamada para o estado
sacerdotal, e chamada por vocação divina: "Não fostes vós que Me
escolhestes, mas fui Eu que vos escolhi", disse Nosso Senhor aos Apóstolos
(Jo. 15,16), em palavras que bem se aplicam a todos os sacerdotes.
Dentre
essa elite que é o clero, uma pequeníssima parcela é chamada à plenitude do
sacerdócio, ou seja, ao episcopado. Note-se: "é chamada". Não se
trata de candidatura, de eleição, de disputa por um posto vantajoso, mas é o papa
que designa os bispos.
Dentre
os bispos, só uma pequeníssima minoria atinge o cardinalato. E o atinge,
igualmente, sem eleições e candidaturas, mas por designação pessoal do papa,
que faz na terra as vezes de Nosso Senhor (daí ser chamado o Vigário de Jesus
Cristo, de vicarius, palavra latina
que significa substituto).
Os
cardeais com direito de voto no conclave, pouco mais de cem em toda a terra,
são presumivelmente, do ponto de vista humano - não estamos falando ainda do
aspecto sobrenatural - o que se poderia reunir de mais seleto e categorizado
para bem conhecer os problemas da Igreja e indicar, entre eles mesmos, aquele
que mais parece indicado para suceder a São Pedro.
Todos
eles foram selecionados dentre os melhores, todos eles foram designados para os
postos sucessivamente mais elevados da carreira eclesiástica por determinação
superior, todos eles desempenharam funções de alta responsabilidade na Igreja.
Reunidos
em conclave, para a eleição do papa, os cardeais ficam encerrados em dependências
do Vaticano, sem qualquer comunicação com o mundo exterior, devendo também
manter segredo das tratativas e confabulações que internamente façam entre si
para a designação do novo pontífice.
Cada
cardeal é moralmente obrigado a sufragar o nome que, em consciência, considera
mais indicado para o cargo, e com o fim de mais significar essa gravíssima
obrigação de consciência, os votos que cada um formula são, segundo o costume
tradicional, depositados num cálice que serve para o santo sacrifício da Missa.
Tudo
isso, evidentemente, para reduzir ao mínimo o fator humano e falível. Tal fator
existe, sem dúvida, mas é naturalmente reduzido ao mínimo. Esse não é, porém, o
aspecto principal. Há ainda o lado sobrenatural, de si mais elevado e
importante.
A
Igreja é de instituição divina, e é assistida de modo especialíssimo pelo Divino
Espírito Santo. Jesus Cristo disse aos Apóstolos: "Estarei convosco até a
consumação dos séculos" (Mt.
28,20), o que indicava, sem a menor dúvida, uma promessa de assistência - e
mais do que isso, de presença - de ordem absolutamente superior.
O
mesmo Senhor declarou formalmente a São Pedro: "Tu es Pedro, e sobre essa
pedra edificarei a minha Igreja, e as portas do inferno não prevalecerão contra
ela" (Mt. 16,18) - o que contém
claramente uma promessa divina de imortalidade e indestrutibilidade da Santa
Igreja.
Por
todas essas razões, o processo eleitoral de um papa é atípico, e não pode nem
de longe ser comparado ao das eleições normalmente realizadas nas modernas repúblicas.
Rezemos
para que o Divino Espírito Santo ilumine os membros do Sacro Colégio e para que
tenhamos, na sucessão de Bento XVI, um Papa adequado às necessidades prementes
da Igreja Católica, que a faça emergir da crise terrível na qual, há décadas,
se vê mergulhada.
Armando Alexandre dos Santos é historiador, jornalista e diretor
da Revista da Academia Piracicabana de Letras.
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