Antonio Carlos Fusatto
Cadeira n° 6 - Patrono: Nélio Ferraz de Arruda
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Noite avançada; céu deslumbrante, leva o cabisbaixo
noctívago à margem do rio, onde se acomoda num banco de areia: calça
arregaçada, pés descalços dentro d’agua, olhos voltados ao firmamento, pede a
conspiração da lua e das estrelas a seu favor, para tornarem a noite ainda mais
bonita, a fim de lembrá-la do grande amor que nele despertou. Nesta negritude
mística, a natureza prepara um cenário mágico para o desenrolar de um monólogo
mental, que ora se inicia.
Pirilampos vagueiam por este palco natural,
fortalecendo com suas luzes o encantamento do local; vez ou outra, a sinfonia
de grilos e batráquios é interrompida pelo pio estridente d’alguma ave noturna
em voo rasante.
A lua, expectadora deste cenário, parece sorrir
comovida, lançando sobre a copa das árvores e o rio uma colcha tecida com fios
de prata; uma brisa leve passeia pelos galhos das árvores, alternando o cenário
com o farfalhar das folhas.
O tempo passa...; olhos semiabertos, o pensamento
devaneia pelo tempo...
Cheiro de relva rorida aguça-lhe ainda mais a
lembrança dos momentos que ali passou com ela; dos passeios de barco nas manhãs
sonolentas, das pescarias ao pôr-do-sol, rebojar dos cardumes nas piracemas...
A ampulheta não para, paulatinamente espesso nevoeiro,
mais parecendo um exército de fantasmas rastejando sobre a relva, envolve o rio
e a mata... Ali sentado, só ele e o rio... Dela, a saudade, a vontade de gritar
ao mundo, a dor da desilusão.
Propositalmente ela deixou o tempo passar, talvez um
dia resolva procurá-lo; provavelmente terá ido embora, seu espírito indômito
não permite ficar: é como o rio solitário, ora calmo, ora agitado, mas sempre
em busca de um braço de mar.
E, nesta divagação, já é dia, sol escaldante, areia
molhada, um rancho esburacado, herança de seu saudoso pai, uma porteira mal
fechada, no horizonte a silhueta de um adeus!...
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