Carla Ceres Oliveira Capeleti
Cadeira n° 17 - Patrona: Virgínia Prata Gregolin
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Todas as cidades têm seus
cantos secretos: ruas que se cruzam em momentos estranhos, lugares que surgem
dependendo do estado de consciência de quem os encontra. Em Piracicaba, um
desses espaços mágicos fica no cruzamento da Rosário com a Tiradentes. É uma pequena
loja sem nome, com uma placa anunciando “Manuais, guias e tutorias sobre
qualquer assunto imaginável”. Meu amigo Luís esteve lá.
Tinha que ser o Luís para
descobrir uma esquina onde duas ruas paralelas se encontram! Acontece que ele
bebe um pouquinho demais, gosta de escrever poesia, sonha acordado com
frequência e, além disso, tem um punhado de parafusos soltos mesmo. Sua
maluquice contagiosa afeta a cidade, que é louca por ele. A seu pedido,
Piracicaba entrelaça suas ruas a seu redor, criando esquinas improváveis, como
rede de proteção.
Quando a loja de manuais
apareceu, Luís vinha de uma desilusão amorosa, a terceira do mês. Bebia e
uivava pela rua, amaldiçoando essa “droga de vida, que vem sem manual de
instruções”, essas “mulheres inexplicáveis do meu coração”. O jeito era morrer
porque “Eu me recuso a viver num mundo sem manual!”, ele gritava. “Quero as
regras do jogo agora! Agora! Ou desisto de brincar e pulo do tabuleiro da vida.
Pulo direto pra frente de um carro.”
No cruzamento das paralelas,
acenderam-se as luzes da loja. Um vendedor chamou: “Por aqui, poeta! Temos
guias, manuais, mapas, tutorias, impressos ou digitais, sobre o mundo e muito
mais. Tudo isso a seu dispor. Entre e leia, por favor!” Luís entrou e
desapareceu da cidade por um mês. Ninguém sabia dele.
Bombeiros procuravam seu
corpo no rio, enquanto Luís, sempre na loja, fartava-se de ler e descobria que
os manuais, por melhores que fossem, jamais dariam todas as respostas a tempo.
Os guias simplificados eram fáceis de ler, mas desconsideravam as inúmeras
variações possíveis na vida. Coisas simples podiam ter regras simples, como “As
Normas da Corda Bamba – Primeiros Passos”, livreto que ele, desafiadoramente,
pediu para ver, quando ainda duvidava que o vendedor pudesse apresentar-lhe
manuais sobre qualquer matéria.
Assuntos complexos exigiam
manuais igualmente complexos, que levariam a vida toda para ler e outra vida
para entender. Luís era inteligente demais para dedicar-se a um tema só. Leu
sobre a vida, o amor, o possível, o impossível. Misturou tudo na cabeça. Leu
sobre organização de ideais. Lembrou-se de perguntar ao vendedor quanto pagaria
pelo acesso a tantas informações. “Quase nada, poeta”, respondeu o vendedor,
“você paga com seu tempo. O tempo que você passa aqui lendo sobre a vida é
descontado do tempo que lhe resta a viver. É bem barato para quem pensava em
saltar na frente de um carro, não acha?”
Cheio de dúvidas, Luís
preferiu sair da loja. Mal pisou na calçada, mudou de ideia. Tentou voltar para
dentro. Não conseguiu. O estabelecimento desaparecera. Em seu lugar, estava um
posto de gasolina abandonado.
Luís só conta essa história
quando bebe. Apresenta, como prova, anotações incompreensíveis sobre um suposto
manual chamado “A Física e a Metafísica da Corda Bamba”.
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