Os
Corpos de Voluntários da Pátria atuaram entre 1865 e 1870, durante quase toda a
Guerra Paraguai (que a historiografia contemporânea tende a designar como
Guerra da Tríplice Aliança), desde o início do conflito até o seu término,
quando ocorreu a morte de Solano López. Contar a história de sua atuação
confunde-se com contar a história do próprio conflito.
Para
se entender o que foi essa guerra, há que considerar, desde logo, que o Brasil
não estava preparado militarmente para enfrentar o Paraguai. Com exceção de
nossa Marinha de Guerra, que era excelente, tudo o mais foi improvisado e
ajustado às necessidades de momento.
O
Paraguai, sim, preparou-se para a guerra. Possuía entre 75 e 80 mil homens bem
equipados, com moderno armamento europeu. Era uma gigantesca máquina de guerra,
preparada para tomar a ofensiva contra a Argentina (que parece ter sido a
primeira ambição de López) e, se preciso fosse, contra o Brasil.
O
nosso Império possuía cerca de 17 mil homens no seu Exército, dispersos por
todo o território. Havia, ainda, corpos de milicianos, da chamada Guarda
Nacional, teoricamente mobilizáveis, mas sem formação militar mais adequada.
O
Brasil nunca se preocupara seriamente com uma guerra externa das proporções da
que foi a Guerra da Tríplice Aliança. Não era provável um conflito desses. O
máximo que se imaginava como possíveis seriam conflitos menores, como o de
Rosas e o de Uribe. Mas, atacado por López, o Império teve as províncias de
Mato Grosso e Rio Grande invadidas. A tomada de Uruguaiana pelas tropas
paraguaias chefiadas por Estigarríbia acordou o gigante... e o Brasil resolveu
lutar. Como fazê-lo? Recorrendo ao voluntariado.
No dia 7
de janeiro de 1865, D. Pedro II firmou o Decreto nº 3.371, pelo qual apelava
para os sentimentos patrióticos do povo brasileiro e instituía novos corpos
militares constituídos por “Voluntários da Pàtria”, para atender à gravíssima
emergência em que se encontrava a nação.
O Governo
Imperial prometeu vantagens aos voluntários: quando terminasse a guerra,
receberiam um prêmio de 300 mil réis (quantia considerável, na época, pois
equivalia ao maior salário mensal de funcionário público do país, ou seja, o de
um Senador do Império); receberiam lotes de terra; teriam preferência nos
empregos públicos; as viúvas, os órfãos e os mutilados de guerra receberiam
assistência do Estado; seriam concedidas patentes de oficiais honorários aos
ex-combatentes. Os escravos incorporados à luta seriam, imediatamente,
manumitidos.
O próprio
Imperador se inscreveu, para dar exemplo, como voluntário e foi com farda de Voluntário
da Pátria que partiu para Uruguaiana, acompanhado de seu genro, o Marechal
Conde d´Eu, como este narra em seu interessante livro Viagem Militar ao Rio Grande do Sul.
O Brasil
todo acolheu com entusiasmo a convocação feita pelo seu Imperador. Num primeiro
momento, foi grande o número de voluntários, muitos deles provenientes das
famílias mais bem estabelecidas no Império. O fervor popular era enorme. Em
todas as Províncias, as municipalidades promoviam o recrutamento, organizavam
desfiles e paradas militares, ao som de música marcial, os poetas e literatos
glosavam o feito. Em todo o Império, os jornais estavam cheios de proclamações
patrióticas, como esta:
“Pela
Pátria! Por Deus! Pelo Mundo! / Rugem feras no negro covil... / Fiquem mudas à
voz da Bombarda! / Rolem mortas aos pés do Brasil!
“No deserto, bandeira à frente, / Respirando vingança marchai! / Ninguém saiba
quem foi mais valente... / Arda em chamas o vil Paraguai.
“...Treme o solo ao tropel dos guerreiros, / Treme o céu ao troar dos canhões,
/ Mas não sabem tremer brasileiros, Nem
seus braços, nem seus corações.” (apud CAMPOS, Pedro Dias de. O espírito militar paulista. In: “Revista do Instituto Historico e Geographico de
São Paulo”, vol. XXII, 1923).
A guerra foi
longa. Foi cruel. O entusiasmo inicial foi posto à prova. À medida que o tempo
foi passando, o entusiasmo tendeu a arrefecer, de modo se tornou difícil suprir
as baixas e atender às necessidades do conflito. Foram, então, adotadas algumas
medidas mais severas, de modo que o que inicialmente era voluntariado passou a
ser, mais efetivamente, uma conscrição obrigatória. Dessa conscrição se
livravam pessoas de posses, pagando outras menos abastadas, para lutarem em seu
lugar, ou até libertando escravos que fossem lutar. Foram episódios tristes,
projetando sombras num quadro em que havia muita luz.
O recrutamento dos Voluntários paulistas
Entre os
Voluntários da Pátria da primeira hora, arregimentados para enfrentar o ataque
proveniente do Paraguai, foram incorporados numerosos elementos da Guarda
Nacional, força paramilitar constituída por civis, instituída em 1831 e
convocável em caso de conflito, quando passaria a ser corpo auxiliar do
Exército nacional. Também elementos da polícia e de outros corpos
arregimentados auxiliares (equivalentes, em termos atuais, às nossas Polícias
Militares) contribuíram efetivamente para a constituição dos corpos de
Voluntários da Pátria.
Cada
corpo de voluntários era composto, regulamentarmente, por oito companhias. O
número de corpos de Voluntários se elevou a várias dezenas, em linhas gerais
correspondendo às províncias do Império, mas havendo diversas províncias, mais
populosas, que contavam com vários corpos de voluntários. Foram esses corpos
que suportaram o maior rigor da guerra, nela perdendo muitos homens.
Ao final
da guerra, os sobreviventes, reincorporados à vida civil, nem sempre obtiveram
tudo quanto o Governo havia inicialmente prometido. Foram injustiçados. São
beneméritos patriotas que contribuíram com seu suor e seu sangue para a vitória
sobre o Paraguai. Escreveram páginas das mais belas do heroísmo nacional,
merecendo figurar na História do Brasil em lugar de destaque, com honra muito especial.
Todos os brasileiros dignos desse nome se orgulham deles.
Como disse
no meu artigo anterior, a história dos Voluntários da Pátria se confunde com a
própria história da Guerra da Tríplice Aliança. Não seria possível relatar,
aqui, as atividades de todos os numerosos corpos de Voluntários. Vou me
concentrar no caso dos Voluntários da Pátria de São Paulo, que constituíram,
inicialmente, o 7º CVP. Embora mais tarde, com as reformulações, esse corpo
tenha recebido reforços de outro CVP paulista, o 42º, e mais tarde do 45º CVP,
foi “o Sétimo” que marcou a História de São Paulo e nela ficou para sempre consignado.
Na “Revista
do Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo”, publicação mais que
centenária da qual tenho a honra de ser, no momento presente, diretor e
editor-responsável, encontra-se, no vol. XXII, referente ao ano de 1923, um
estudo de 180 páginas, escrito pelo então Tenente-Coronel Pedro Dias de Campos,
intitulado “O Espírito Militar Paulista”. É desse estudo que extraio as
informações a seguir, sobre “o Sétimo”.
Logo no
início de 1865, em atenção ao Decreto Imperial de 7 de janeiro daquele ano, foi
constituída em São Paulo, com sede no Largo da Sé, uma “Associação Promotora de
Voluntários da Pátria”, que rapidamente recrutou um grande contingente de
soldados voluntários. Esta mesma associação também fardou, armou e transportou
os voluntários que formaram o 7º Corpo de Voluntários da Pátria. Esse batalhão
era composto de oito companhias, tendo cada uma um capitão, um tenente e dois
alferes. Como comandante, o Tenente-Coronel
Francisco Joaquim Pinto Pacca, major reformado do Exército.
A nominata
dos oficiais do 7º CVP, integralmente reproduzida pelo autor do estudo
publicado na “Revista do IHGSP”, permite facilmente identificar numerosos elementos
das principais famílias do establishment
paulista (inclusive de Piracicaba), o que demonstra como a rica e poderosa
aristocracia cafeeira de São Paulo deu efetiva colaboração para a formação do
7º CVP.
Eram
membros de famílias de posses, eram pessoas que não precisavam de promessas de
recompensas financeiras ou em terras para acorrerem ao combate. Fizeram-no por
verdadeiro patriotismo. Isso ocorreu no Brasil inteiro.
Contrariamente
ao que diz o jornalista Júlio Chiavenato, os Voluntários da Pátria, tal como os
conservou a grata memória coletiva brasileira, não foram “um mito”, mas foram
uma realidade. Houve, sem dúvida, episódios tristes e dolorosos de
“voluntários” forçados e de escravos aliciados: nem tudo foi luz no quadro,
houve nele também sombras. Mas destruir a memória nacional como tentou
forçadamente fazer Chiavenato no seu livro Os
voluntários da pátria (e outros mitos) é um erro insustentável.
Registra Pedro Dias de
Campos, no citado estudo “O Espírito Militar Paulista”: “Era o 7º um corpo luzido, formado com a flor da mocidade paulistana,
estuante de brio, de entusiasmo patriota e de desejos de marchar para o teatro
de luta, que se feria em toda vasta fronteira do Sul. Ansiavam os voluntários
pela ordem de marcha, que aguardavam, havia já seis longos meses”.
Atuação dos
Voluntários da Pátria paulistas
Falemos
agora, para concluir esta série de artigos sobre os Voluntários da Pátria na
Guerra do Paraguai, da atuação do 7º Corpo de VP, constituído em São Paulo, e
do qual participaram membros de famílias piracicabanas. Durante sua formação,
os 759 homens que compunham o efetivo do 7º se aquartelaram nos arredores da
Capital, no atual bairro do Ipiranga. A 1º de agosto de 1865 embarcaram com
destino ao Sul. Na capital da Província do Rio Grande permaneceram perto de
dois meses, recebendo instrução e treinamento. Um oficial e 33 praças ali
morreram, antes de entrarem em operações, devido a uma epidemia de varíola. A 7
de outubro o 7º embarcou para Corrientes, onde se juntou com o 42º, também
constituído por paulistas. Ali foram passados em revista pelo General Osório, “o
Centauro dos Pampas”, que deles afirmou uma frase que motivou
extraordinariamente seu moral: “Esses
são soldados! E devem sê-lo, pois os paulistas, seus antepassados, foram
bravos, como certifica a história”.
A 10 de
abril de 1866 o 7º CVP recebeu a missão de tomar, de ocupar e manter a Ilha do
Ataio – que era um ponto estratégico importante, fortemente defendido pelos paraguaios.
Os nossos desembarcaram em chatas, durante a noite, e montaram rapidamente um sistema
de trincheiras, com 6 peças de bateria, diante da fortaleza paraguaia de
Itapiru. Foi um desafio que custou caro, pois os paraguaios, durante quatro
dias, bombardearam incessantemente nosso entrincheiramento. Depois, investiram sobre
os nossos, com 1200 homens bem armados e divididos em três batalhões. Os nossos
resistiram até os últimos cartuchos e, faltando munição, lançaram-se sobre os
paraguaios à baioneta, tendo à frente o Comandante Pinto Pacca. Morreram 153
paulistas do 7º. Ficaram estendidos no solo mais de 600 paraguaios.
Na batalha
de Tuiuti, a 24 de maio de 1866, o 7º CVP "bateu-se
por longo espaço de tempo com uma força de infantaria superior em número, com a
cavalaria e foguetes a congreve, tendo fora de combate seis oficiais e cento e
dezenove praças. A bandeira findo o combate, apresentava três orifícios
produzidos por balas".
Até o fim
do conflito, o 7º CVP portou-se com brio e galhardia. Seus principais combates,
depois de Tuiuti, foram, ainda em 1866, os de Punta Nãró (16 e 17 de julho),
Isla Carapá (18 de julho, ocasião em que morreram 40 homens do 7º) e Tujucué (a
20 de setembro). Em 1868, o combate de Estabelecimento (19 de fevereiro),
Perecué/Assunção (8 de agosto), Villeta (13 de dezembro) e Angustura (30 de dezembro).
Em 1869, o combate de Tupiram (30 de maio) e, depois de agosto, a campanha das
Cordilheiras.
O 7º CVP
permaneceu no Paraguai, em luta, até março de 1870, quando, após quase 5 anos
de campanha, retornou ao Brasil. A
chegada em São Paulo, no dia 25 de abril, foi gloriosa: "A população de São Paulo recebeu cheia de
jubilo e entusiasmo os valentes chegados do 7º de Voluntários naquele
dia".
O 7º
partira para a guerra com cerca de 800 homens. Retornava com 350, sendo que
apenas 84 deles faziam parte desde o início do conflito. Durante as operações,
muitas reposições haviam sido feitas, para suprir os que caíam. Cerca de 6 mil
homens, que haviam integrado o 7º em alguma fase de sua atuação tombaram na
guerra.
Após o combate da Ilha do Ataio, em
que se portou com extrema bravura, o 7º CVP foi condecorado pelo Governo
Imperial com a Ordem do Cruzeiro do Sul. Essa insígnia se encontra, hoje, no
Santuário de Nossa Senhora da Conceição Aparecida, oferecida pelos heroicos
combatentes paulistas. A Virgem da Conceição, Padroeira do Exército brasileiro,
era também venerada de modo especial pelos paulistas do 7º., que tinham mandado
bordar sua efígie na sua bandeira, a qual se encontra atualmente no Museu de
Arte Sacra da Capital paulista.
Nenhum comentário:
Postar um comentário