Rio Piracicaba

Rio Piracicaba
Rio Piracicaba cheio (foto Ivana Negri)

Patrimônio da cidade, a Sapucaia florida (foto Ivana Negri)

Balão atravessando a ponte estaiada (foto Ivana Negri)

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terça-feira, 12 de julho de 2016

Os Voluntários da Pátria

Armando Alexandre dos Santos
Cadeira n° 10 - Patrono: Brasílio Machado


Os Corpos de Voluntários da Pátria atuaram entre 1865 e 1870, durante quase toda a Guerra Paraguai (que a historiografia contemporânea tende a designar como Guerra da Tríplice Aliança), desde o início do conflito até o seu término, quando ocorreu a morte de Solano López. Contar a história de sua atuação confunde-se com contar a história do próprio conflito.
Para se entender o que foi essa guerra, há que considerar, desde logo, que o Brasil não estava preparado militarmente para enfrentar o Paraguai. Com exceção de nossa Marinha de Guerra, que era excelente, tudo o mais foi improvisado e ajustado às necessidades de momento.
O Paraguai, sim, preparou-se para a guerra. Possuía entre 75 e 80 mil homens bem equipados, com moderno armamento europeu. Era uma gigantesca máquina de guerra, preparada para tomar a ofensiva contra a Argentina (que parece ter sido a primeira ambição de López) e, se preciso fosse, contra o Brasil.
O nosso Império possuía cerca de 17 mil homens no seu Exército, dispersos por todo o território. Havia, ainda, corpos de milicianos, da chamada Guarda Nacional, teoricamente mobilizáveis, mas sem formação militar mais adequada.
O Brasil nunca se preocupara seriamente com uma guerra externa das proporções da que foi a Guerra da Tríplice Aliança. Não era provável um conflito desses. O máximo que se imaginava como possíveis seriam conflitos menores, como o de Rosas e o de Uribe. Mas, atacado por López, o Império teve as províncias de Mato Grosso e Rio Grande invadidas. A tomada de Uruguaiana pelas tropas paraguaias chefiadas por Estigarríbia acordou o gigante... e o Brasil resolveu lutar. Como fazê-lo? Recorrendo ao voluntariado.
No dia 7 de janeiro de 1865, D. Pedro II firmou o Decreto nº 3.371, pelo qual apelava para os sentimentos patrióticos do povo brasileiro e instituía novos corpos militares constituídos por “Voluntários da Pàtria”, para atender à gravíssima emergência em que se encontrava a nação.
O Governo Imperial prometeu vantagens aos voluntários: quando terminasse a guerra, receberiam um prêmio de 300 mil réis (quantia considerável, na época, pois equivalia ao maior salário mensal de funcionário público do país, ou seja, o de um Senador do Império); receberiam lotes de terra; teriam preferência nos empregos públicos; as viúvas, os órfãos e os mutilados de guerra receberiam assistência do Estado; seriam concedidas patentes de oficiais honorários aos ex-combatentes. Os escravos incorporados à luta seriam, imediatamente, manumitidos.
O próprio Imperador se inscreveu, para dar exemplo, como voluntário e foi com farda de Voluntário da Pátria que partiu para Uruguaiana, acompanhado de seu genro, o Marechal Conde d´Eu, como este narra em seu interessante livro Viagem Militar ao Rio Grande do Sul.
O Brasil todo acolheu com entusiasmo a convocação feita pelo seu Imperador. Num primeiro momento, foi grande o número de voluntários, muitos deles provenientes das famílias mais bem estabelecidas no Império. O fervor popular era enorme. Em todas as Províncias, as municipalidades promoviam o recrutamento, organizavam desfiles e paradas militares, ao som de música marcial, os poetas e literatos glosavam o feito. Em todo o Império, os jornais estavam cheios de proclamações patrióticas, como esta:
“Pela Pátria! Por Deus! Pelo Mundo! / Rugem feras no negro covil... / Fiquem mudas à voz da Bombarda! / Rolem mortas aos pés do Brasil!
“No deserto, bandeira à frente, / Respirando vingança marchai! / Ninguém saiba quem foi mais valente... / Arda em chamas o vil Paraguai.
“...Treme o solo ao tropel dos guerreiros, / Treme o céu ao troar dos canhões, / Mas não sabem tremer brasileiros,  Nem seus braços, nem seus corações.” (apud CAMPOS, Pedro Dias de. O espírito militar paulista. In: “Revista do Instituto Historico e Geographico de São Paulo”, vol. XXII, 1923).

         A guerra foi longa. Foi cruel. O entusiasmo inicial foi posto à prova. À medida que o tempo foi passando, o entusiasmo tendeu a arrefecer, de modo se tornou difícil suprir as baixas e atender às necessidades do conflito. Foram, então, adotadas algumas medidas mais severas, de modo que o que inicialmente era voluntariado passou a ser, mais efetivamente, uma conscrição obrigatória. Dessa conscrição se livravam pessoas de posses, pagando outras menos abastadas, para lutarem em seu lugar, ou até libertando escravos que fossem lutar. Foram episódios tristes, projetando sombras num quadro em que havia muita luz. 

        O recrutamento dos Voluntários paulistas



Entre os Voluntários da Pátria da primeira hora, arregimentados para enfrentar o ataque proveniente do Paraguai, foram incorporados numerosos elementos da Guarda Nacional, força paramilitar constituída por civis, instituída em 1831 e convocável em caso de conflito, quando passaria a ser corpo auxiliar do Exército nacional. Também elementos da polícia e de outros corpos arregimentados auxiliares (equivalentes, em termos atuais, às nossas Polícias Militares) contribuíram efetivamente para a constituição dos corpos de Voluntários da Pátria.
Cada corpo de voluntários era composto, regulamentarmente, por oito companhias. O número de corpos de Voluntários se elevou a várias dezenas, em linhas gerais correspondendo às províncias do Império, mas havendo diversas províncias, mais populosas, que contavam com vários corpos de voluntários. Foram esses corpos que suportaram o maior rigor da guerra, nela perdendo muitos homens.
Ao final da guerra, os sobreviventes, reincorporados à vida civil, nem sempre obtiveram tudo quanto o Governo havia inicialmente prometido. Foram injustiçados. São beneméritos patriotas que contribuíram com seu suor e seu sangue para a vitória sobre o Paraguai. Escreveram páginas das mais belas do heroísmo nacional, merecendo figurar na História do Brasil em lugar de destaque, com honra muito especial. Todos os brasileiros dignos desse nome se orgulham deles.
Como disse no meu artigo anterior, a história dos Voluntários da Pátria se confunde com a própria história da Guerra da Tríplice Aliança. Não seria possível relatar, aqui, as atividades de todos os numerosos corpos de Voluntários. Vou me concentrar no caso dos Voluntários da Pátria de São Paulo, que constituíram, inicialmente, o 7º CVP. Embora mais tarde, com as reformulações, esse corpo tenha recebido reforços de outro CVP paulista, o 42º, e mais tarde do 45º CVP, foi “o Sétimo” que marcou a História de São Paulo e nela ficou para sempre consignado.
Na “Revista do Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo”, publicação mais que centenária da qual tenho a honra de ser, no momento presente, diretor e editor-responsável, encontra-se, no vol. XXII, referente ao ano de 1923, um estudo de 180 páginas, escrito pelo então Tenente-Coronel Pedro Dias de Campos, intitulado “O Espírito Militar Paulista”. É desse estudo que extraio as informações a seguir, sobre “o Sétimo”.
Logo no início de 1865, em atenção ao Decreto Imperial de 7 de janeiro daquele ano, foi constituída em São Paulo, com sede no Largo da Sé, uma “Associação Promotora de Voluntários da Pátria”, que rapidamente recrutou um grande contingente de soldados voluntários. Esta mesma associação também fardou, armou e transportou os voluntários que formaram o 7º Corpo de Voluntários da Pátria. Esse batalhão era composto de oito companhias, tendo cada uma um capitão, um tenente e dois alferes. Como comandante, o Tenente-Coronel Francisco Joaquim Pinto Pacca, major reformado do Exército.
A nominata dos oficiais do 7º CVP, integralmente reproduzida pelo autor do estudo publicado na “Revista do IHGSP”, permite facilmente identificar numerosos elementos das principais famílias do establishment paulista (inclusive de Piracicaba), o que demonstra como a rica e poderosa aristocracia cafeeira de São Paulo deu efetiva colaboração para a formação do 7º CVP.
Eram membros de famílias de posses, eram pessoas que não precisavam de promessas de recompensas financeiras ou em terras para acorrerem ao combate. Fizeram-no por verdadeiro patriotismo. Isso ocorreu no Brasil inteiro.
Contrariamente ao que diz o jornalista Júlio Chiavenato, os Voluntários da Pátria, tal como os conservou a grata memória coletiva brasileira, não foram “um mito”, mas foram uma realidade. Houve, sem dúvida, episódios tristes e dolorosos de “voluntários” forçados e de escravos aliciados: nem tudo foi luz no quadro, houve nele também sombras. Mas destruir a memória nacional como tentou forçadamente fazer Chiavenato no seu livro Os voluntários da pátria (e outros mitos) é um erro insustentável.
Registra Pedro Dias de Campos, no citado estudo “O Espírito Militar Paulista”: “Era o 7º um corpo luzido, formado com a flor da mocidade paulistana, estuante de brio, de entusiasmo patriota e de desejos de marchar para o teatro de luta, que se feria em toda vasta fronteira do Sul. Ansiavam os voluntários pela ordem de marcha, que aguardavam, havia já seis longos meses”. 

Atuação dos Voluntários da Pátria paulistas

Falemos agora, para concluir esta série de artigos sobre os Voluntários da Pátria na Guerra do Paraguai, da atuação do 7º Corpo de VP, constituído em São Paulo, e do qual participaram membros de famílias piracicabanas. Durante sua formação, os 759 homens que compunham o efetivo do 7º se aquartelaram nos arredores da Capital, no atual bairro do Ipiranga. A 1º de agosto de 1865 embarcaram com destino ao Sul. Na capital da Província do Rio Grande permaneceram perto de dois meses, recebendo instrução e treinamento. Um oficial e 33 praças ali morreram, antes de entrarem em operações, devido a uma epidemia de varíola. A 7 de outubro o 7º embarcou para Corrientes, onde se juntou com o 42º, também constituído por paulistas. Ali foram passados em revista pelo General Osório, “o Centauro dos Pampas”, que deles afirmou uma frase que motivou extraordinariamente seu moral:  “Esses são soldados! E devem sê-lo, pois os paulistas, seus antepassados, foram bravos, como certifica a história”.
A 10 de abril de 1866 o 7º CVP recebeu a missão de tomar, de ocupar e manter a Ilha do Ataio – que era um ponto estratégico importante, fortemente defendido pelos paraguaios. Os nossos desembarcaram em chatas, durante a noite, e montaram rapidamente um sistema de trincheiras, com 6 peças de bateria, diante da fortaleza paraguaia de Itapiru. Foi um desafio que custou caro, pois os paraguaios, durante quatro dias, bombardearam incessantemente nosso entrincheiramento. Depois, investiram sobre os nossos, com 1200 homens bem armados e divididos em três batalhões. Os nossos resistiram até os últimos cartuchos e, faltando munição, lançaram-se sobre os paraguaios à baioneta, tendo à frente o Comandante Pinto Pacca. Morreram 153 paulistas do 7º. Ficaram estendidos no solo mais de 600 paraguaios.
Na batalha de Tuiuti, a 24 de maio de 1866, o 7º CVP "bateu-se por longo espaço de tempo com uma força de infantaria superior em número, com a cavalaria e foguetes a congreve, tendo fora de combate seis oficiais e cento e dezenove praças. A bandeira findo o combate, apresentava três orifícios produzidos por balas".
Até o fim do conflito, o 7º CVP portou-se com brio e galhardia. Seus principais combates, depois de Tuiuti, foram, ainda em 1866, os de Punta Nãró (16 e 17 de julho), Isla Carapá (18 de julho, ocasião em que morreram 40 homens do 7º) e Tujucué (a 20 de setembro). Em 1868, o combate de Estabelecimento (19 de fevereiro), Perecué/Assunção (8 de agosto), Villeta (13 de dezembro) e Angustura (30 de dezembro). Em 1869, o combate de Tupiram (30 de maio) e, depois de agosto, a campanha das Cordilheiras.
O 7º CVP permaneceu no Paraguai, em luta, até março de 1870, quando, após quase 5 anos de campanha, retornou ao Brasil.  A chegada em São Paulo, no dia 25 de abril, foi gloriosa: "A população de São Paulo recebeu cheia de jubilo e entusiasmo os valentes chegados do 7º de Voluntários naquele dia".
O 7º partira para a guerra com cerca de 800 homens. Retornava com 350, sendo que apenas 84 deles faziam parte desde o início do conflito. Durante as operações, muitas reposições haviam sido feitas, para suprir os que caíam. Cerca de 6 mil homens, que haviam integrado o 7º em alguma fase de sua atuação tombaram na guerra.
          Após o combate da Ilha do Ataio, em que se portou com extrema bravura, o 7º CVP foi condecorado pelo Governo Imperial com a Ordem do Cruzeiro do Sul. Essa insígnia se encontra, hoje, no Santuário de Nossa Senhora da Conceição Aparecida, oferecida pelos heroicos combatentes paulistas. A Virgem da Conceição, Padroeira do Exército brasileiro, era também venerada de modo especial pelos paulistas do 7º., que tinham mandado bordar sua efígie na sua bandeira, a qual se encontra atualmente no Museu de Arte Sacra da Capital paulista.


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