Carmen Pilotto
“Eu tenho pouco a dizer sobre a magia.
Na verdade, eu acho que nosso contato com o sobrenatural deve ser feito em
silêncio e numa profunda meditação solitária”
Clarice Lispector
Hoje
começarei o texto usando uma expressão de meu amigo Cecílio Elias Neto,
morgar, ficar parado, assim, sem nenhuma intenção, quase que em relaxamento,
tendo ao lado a fiel companheira Mel, em pose de esfinge de adoração, com os olhos compridos; ao fundo a trilha sonora é de filhotes de bico
de lacre, em um arquitetado ninho no vaso de rafis, piando em alto e bom
som por alimento.
Nas
idas e vindas do neto, nesta época de pandemia, tento manter firmemente a disciplina
dos 30 minutos ao sol. É fato, ou acabo de uma vez com a deficiência de
vitamina D ou aceito que meu corpo somente reconhece a luz prateada das
noitadas boêmias.
Estou
lendo o livro Clarice, uma vida que se conta, de Nádia Battella Gotlib,
professora de literatura da USP, com uma narrativa biográfica acompanhada de
recortes reais de depoimentos, trechos da obra dessa misteriosa escritora.
Estão incluídas na obra reportagens da época que trazem uma humanidade
impressionante para Lispector. Trata-se de um relato fundamentado, entretanto,
repleto de emoções e veracidades que chegam a doer; afinal fraquezas e fortalezas refletem nossa
própria imagem e dilaceram a carne, porque no fundo temos parecenças (voltando
ao Cecílio).
Adoro
biografias relatadas por escritores curiosos e detalhistas, que vão ao extremo
nas pesquisas, no âmago do ser amado. Essa exploração do outro certamente representa
muitas motivações pessoais, uma sincronicidade e profunda empatia entre o
biografado e o relator.
Passamos
a vida nos surpreendendo com tantos seres humanos atípicos, eles obviamente são
as almas que gostaríamos de ver registradas em papel...
Ler
ou escrever sobre nossos ídolos denota muita coragem, porque há de se ter
cuidado em não pesar na intensidade da admiração que sentimos por aqueles seres
míticos. São muitos que gostaria de esmiuçar até o doer de meus ossos, olhos e
criar calos nos dedos escrevinhadores...
Os
sinos de vento alertam que o tempo do relaxamento passou. Bora
voltar a vida real!
Um comentário:
Morgar ao sol sempre é muito bom. Duro é voltar a vida real. Abç.
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