Lídia Sendin
Bem pequena era eu, ainda nem havia sido
apresentada às tão amadas letras desta língua, e minha mãe me levava ao armazém
do “seu” Lídio, perdido numa poeirenta estrada de terra num subúrbio de São
Paulo, hoje próspera cidade de Poá.
Morávamos lá perto de um sítio
onde meu pai cultivava cenouras e alfaces entre outras coisas que já me fugiram
da lembrança.
Enfim, numa década sem supermercados ou
similares, restava-nos aquele simples armazém e, é claro, o “seu” Lídio, que
por seu meu xará me presenteava com doces da vendinha e por isso minhas
lembranças se deleitam em tão açucaradas recordações.
O fato é que, não sabendo ler, me atraíam
as letras no amarelado papel grudado na descascada parede do boteco.
Um dia criei coragem e perguntei o que
estava escrito lá. Com grande e sacodido sorriso que lhe balançava a pança
“seu” Lídio me disse, meio em segredo: Fiado só amanhã!
Como nos minguados tempos de outrora já
ouvira algumas vezes a palavra fiado, puxei timidamente a saia da minha mãe:
Por que não voltamos amanhã? Ela, rindo ainda mais que do que “seu” Lídio,
sussurrou: Porque amanhã estará escrito a mesma coisa e ele nunca precisará
vender fiado. Aquilo me pareceu tremendamente injusto, ora, dar esperanças e
não honrar a palavra! Não estava certo!
O que me fez lembrar de tão insólita
passagem da infância foi uma frase que ouvi de alguém que, cobrado pelos
insucessos de sua vida política, dizia: Calma, o Brasil é um país do futuro!
Como o futuro é sempre amanhã, a promessa não se tornará nunca mentirosa e tal
qual o dono do pequeno armazém de beira de estrada, não precisará cumpri-la e
poderá sacudir sua imensa pança enquanto ri de nós, crédulos brasileiros.
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