Construtor de Imagens
Acho que todo poeta sabe, bem lá no fundo, da importância da imagem para a sua poesia, da linha tênue que existe entre o material e o imaterial, unindo estes dois mundos de forma coesa e própria, como se o sonhar pudesse, repentinamente, tornar-se realidade, e a realidade, por sua vez, pudesse passar do real para o sonho, completando a mágica da metáfora e da impossibilidade, da insensatez, da fantasia e do imponderável. Mas qual a técnica de um construtor de imagens? Sem dúvida, a simplicidade de seus versos quase universais, tendendo para o coloquial, sem rebuscamentos possíveis ou palavras forçadas para dar ênfase.
Talvez mais antiga, mais universal e mais afeita ao povo, a poesia que traz sua base do grito, do primordial que existe dentro do ser humano, desenvolveu seu universo através dos séculos e aporta nos nossos dias ilesa, livre de impurezas, incólume e inteiriça, como a arte de transformar a imagem em sentimento, e o sentimento em palavras. Derivada da arte de representar, impregnada com os bafejos e as cores do teatro primitivo, de forma tão intrínseca, a arte da poesia interpretativa e que retrata o imaterial que emana da reali-dade é tão importante, hoje, como captar imagens imediatas de um vídeo ou de um filme.
E como deve ser o ritmo de um poeta moderno? Sem dúvida, ele deve ser o ritmo ágil das máquinas, dos barulhos e ruídos da modernidade, da memória e do palavreado dos passeantes que passam apressados, parecendo jamais chegar a lugar algum, deve ter o ritmo lento e alucinante das danças, das músicas, o poder belicoso da gíria, da vida que é vivida nas periferias, das melodias entoadas pelos instrumentos rancorosos de hoje: metralhadoras, escopetas e fuzis R-15; melodias que contam a história de vidas que se perderam no meio do caminho, de pessoas que foram e vieram, de pessoas que deram a vida para que o sentimento pudesse fluir e transformar-se na matéria-prima do cotidiano do poeta.
Se é verdade que a poesia é uma arte nobre, uma ponte entre o lacônico ritmo enjaulado entre as quatro paredes de uma cela de segurança máxima e o ritmo largo e cabal dos tiroteios, dos gritos desafinados de horror daquelas vítimas que clamam por justiça, procurando na religião o que esta nunca vai poder dar; afirmamos ser o ritmo do poeta alguma coisa que também se encontre nas quadras desertas de uma favela, nos corredores dos hospitais e nas lajes frias e despidas das morgues; pois aí, o poeta constrói seus versos e suas histórias parelhas, uma dependente da outra, para terminar seu mister em um bordão de arrancar gritos de histeria, que incorpora a chave de ouro desta poesia tão popular e, ao mesmo tempo, a mais erudita de todas!
Certamente, sem envergonhar-se, sem buscar meias palavras ou coisas fantasmagóricas e surpreendentes, o poeta demonstra sua capacidade como autor, como compositor e construtor de imagens, adestrando de maneira exata as várias facetas de seu mundo poético, a nos ensinar que, mesmo nos dias de hoje, cabe assunto para fantasiar e tergiversar sobre realidades tão palpitantes e de tanta sinceridade, como o amor, a violência, as coisas da cidade, o mar, as forças da natureza e o íntimo de todos nós, que deve saber tão bem desvendar e decodificar.
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