Simplicidade Voluntária
“Onde, em jardins exaustos
Nada já tenha fim,
Forma teus fúteis faustos
De tédio e de cetim.
Meus sonhos são exaustos,
Dorme comigo e em mim.”
(Fernando Pessoa – Poesias coligidas)
Nada já tenha fim,
Forma teus fúteis faustos
De tédio e de cetim.
Meus sonhos são exaustos,
Dorme comigo e em mim.”
(Fernando Pessoa – Poesias coligidas)
O pijama puído incomodava os parentes naquela noite de Natal. Todos insistiam com Helena sobre a necessidade de colocar uma roupa mais apresentável. A octogenária não se incomodava com a opinião dos sobrinhos. Em cada semblante só havia o desejo de vê-la partir para que a herança pudesse ser usufruída.
Sorriu ao imaginar o plano que arquitetara na última década. Quando se apercebera da mórbida senilidade e da dolência dos ossos, músculos e ideias. Tinha medo de ficar impregnada de imobilidade e não poder reagir.
Refizera o testamento por completo, deixando o mínimo para cada um. O grande montante de sua fortuna seria doado ao Estado.
Na hora da confusão da ceia, entrou em seu quarto por um instante, fugida da família que atulhava a sala. Trancou a porta. Armário revelado. Olhou para a porta dupla de verniz já carcomida cujos traços de pirógrafo recortavam arabescos venezianos. Do lado mais penso, anos de história familiar. Helena retirou, com as mãos trôpegas, o álbum de fotos já esmaecidas da prateleira do meio. Espalhou pela cama, recoberta de uma linda colcha de pique branca uma série de imagens de sua juventude.
Uma linda debutante de coque, a festa da Hípica, o Derby da primavera, o Réveillon no Copacabana Palace, a vinda do Príncipe
René ao Brasil... Saudades de um Rio de Janeiro de águas serenas que embalavam juventudes sadias. Ipanema com garotas inspiradas na bossa nova com letras instigantes e doces melodias. A lata d’água da Maria da favela era harmonia em um carnaval feito só de jinga e encantamento humano.
Almas expostas ao sabor de uma rotina plausível de exortação. Uma lágrima furtiva rolou e caiu sobre a foto carnavalesca de Ibrahim Sued borrando seu lindo summer prateado.
Olhou para o espelho, os olhos azuis reluziam, abriu a porta e desceu para rever a corja:
– “Ademã, família, que eu vou em frente”...
Dualidade Patética
enlevada pela obrigação e rigidez dos fatos
fixada num ponto estático do espaço
arremessada como projétil certeiro
O lado esquerdo sôfrego pela fuga
encena em falso uma súbita retirada
ensaiada inúmeras e inadvertidas vezes
no intuito inútil de esvair-se pela janela
encena em falso uma súbita retirada
ensaiada inúmeras e inadvertidas vezes
no intuito inútil de esvair-se pela janela
O lado direito disfarça e fantasia
veste máscara, trajes e purpurina
mantendo em palco um afã aparvalhado
de compor parte do elenco cotidiano
veste máscara, trajes e purpurina
mantendo em palco um afã aparvalhado
de compor parte do elenco cotidiano
O eu centrado esfacela-se pela angústia
do que reserva qualquer decisão tomada:
se enfrenta com galhardia a própria vida
ou opta pelo exílio da inexistência...
do que reserva qualquer decisão tomada:
se enfrenta com galhardia a própria vida
ou opta pelo exílio da inexistência...
Barbárie
Os povos se confrontam
mesquinhamente se digladiam
pela maldita posse das terras
em odiosa sede das guerras
decapitando-se mutuamente
mesquinhamente se digladiam
pela maldita posse das terras
em odiosa sede das guerras
decapitando-se mutuamente
E as sequelas dos encontros
geram cada vez mais violência
num pacto
em rictos
do acordo assumido
e consumado pelo descaso de seu próprio destino
em desatino
Qualquer aceno de complacência
geraria o entendimento possível
selando destinos
usados em sentidos contrários
sedados idealismos
cevadas intrigas
ceifadas vidas
segregados povos
sediadas mágoas
infiltradas nos corações humanos
O séquito dos desajustados
conhecidos como homens
de almas perfuradas
amorfas
execradas
seguem em batalhão
ao Ocaso do mundo
criado por seu próprio desatino...
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