Prefácio a um poema
Parece estranho pretender-se prefaciar um Poema, principalmente quando se sabe que a Poesia é completa em si mesma, a dispensar qualquer outra espécie de manifestação que se intente fazer, ainda que à guisa de explicação.
A Poesia é, na verdade, o suprassumo da Arte Literária, visto ter o poder de condensar, através da síntese e da metáfora, todo o pensamento que move a sua construção, culminando por materializar no Poema não só o pensamento de seu criador, mas também sua visão de mundo e, principalmente, a inquietação de seu espírito, que parece ser a marca registrada do artista.
A Poesia de verdade quer a palavra certa e insubstituível, colocada na exata dimensão do pensamento criador, capaz de plantar a força e o colorido da imagem na seara fértil do compasso dos Versos. Não descreve a imagem, nem o pensamento, nem a intenção: trá-los prontos e vigorosos, envolvidos na musicalidade imperceptível da Estrofe.
Por isso a Poesia fala ao espírito de forma tão marcante e duradoura, justamente por conter na síntese da imagem e no encanto cadenciado do Verso, todo o universo da alma do artista, sempre encharcada de Sentimento.
Por isso deixa sempre vestígios no espírito dos que apenas a leem, e mais ainda no daqueles que procuram entendê-la. Por isso pode moldar caracteres. Por isso pode transformar universos. Por isso a Poesia não pode ser, sempre e, apenas, diletante. Impõe-se-lhe o compromisso e o envolvimento.
Há de ser universal, como universal é aquela inquietação que assola, diuturnamente, a alma do Poeta, que tem escancaradas as ja¬84 Revista da Academia Piracicabana de Letras
nelas de sua alma, como que para absorver não só a beleza do amor, das cores, dos sons, das alegrias da vida, transformando-os em cantos sublimes, mas também, e principalmente, para sentir as dores imensas e tantas do mundo e das coisas, as angústias das injustiças e os pesares da morte, e transformá-los em sentidas elegias, em gritos de guerra ou hinos de esperança.
Tal é o destino do Poeta. Tal é o ideal da Poesia. Por isso impende que o Poema seja, também
POEMA
I
Mais que um canto de doçura
É preciso que a poesia
seja o látego implacável
vergastando a hipocrisia
Mais que murmúrio suave
lembrando amores doridos
Melhor que a poesia seja
o hino dos excluídos
Mais que frases leves, soltas
em metáforas douradas
seja a poesia o retrato
das misérias disfarçadas
É preciso que a poesia
Seja nas ruas forjada
Que venha da massa informe
Eternamente enganada
II
É muito mais! É preciso
Seja a poesia a fornalha
onde possam consumir-se
o vil, o infame, o canalha
Onde caibam de mãos dadas
os traidores da raça
esses borrões que nodoam
a tela nobre da massa
Onde calcinem ao fogo
os mercadores do vício
os que corrompem valores
militando em torpe ofício
O mentiroso, o hipócrita
sejam também atirados
na mesma lava em que ardem
políticos alugados
Corruptores, corruptos
que se vendem a granel
sejam vertidos às chamas
purificando o labéu
Os que fazem de seus cargos
balcão p’ra vender favores
transformando esta nação
num circo enorme de horrores
Os que fazem do poder
um lupanar de desgraças
fabricando miseráveis
abandonados nas praças
Os que toldam seus mandatos
com o véu da impunidade
e barganham sua honra
pelos brilhos da vaidade
Para esses celerados
Estadistas de brinquedo
seja a poesia a vergasta
nas mãos do povo sem medo
III
Cada verso seja o raio
e o estridor da tempestade
sobre as cabeças caindo
o crime e a infâmia punindo
na fornalha da verdade
Cada estrofe seja a lança
nas mãos do poeta enristada
trazendo na aguda ponta
a dura e feroz afronta
ao perverso destinada
Cada rima leve ao torpe
angústia, remorso e dor
curvando-lhe a fronte impura
ao peso atroz da censura
da turba irada ao furor
Cada poema semeie
o joio da maldição
sobre o trigal das vaidades
onde medram nulidades
enterrando uma nação
IV
Que a poesia seja a espada
e a lava, e o fogo e o cinzel
moldando num tempo novo
nova história para um povo
novo mundo e novo céu.
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