Armando Alexandre dos Santos Cadeira n° 10 - Patrono: Brasílio Machado |
A
Editora eHumanista, da Universidade
da California, nos Estados Unidos (www.ehumanista.ucsb.edu),
acaba de lançar a primeira tradução feita para a língua portuguesa de “Curial e
Guelfa”, romance de cavalaria escrito por um autor anônimo, em idioma catalão,
na segunda metade do século XV.
Dessa
obra existe apenas um único manuscrito, encontrado em um arquivo espanhol e que
está sendo revalorizado nos últimos anos, com cuidadosas traduções, para os
principais idiomas modernos, realizadas por especialistas de vários países
europeus. No Brasil, ela ainda é praticamente desconhecida nos meios
universitários, podendo abrir campos novos de pesquisa e aprofundamento para
estudiosos de História e de Literatura.
A
tradução, do catalão medieval para o português atual era tarefa que apresentava
inúmeras dificuldades linguísticas e metodológicas. Foi levada a bom termo pelo
meu mestre e amigo Prof. Ricardo da Costa (www.ricardocosta.com),
medievalista da Universidade Federal do Espírito Santo, acadêmico correspondente no exterior da Real Academia de Belas
Letras de Barcelona e membro do IVITRA (Instituto
Virtual Internacional de Tradução – Universidade de Alicante). O
tradutor enriqueceu o trabalho com centenas de notas explicativas,
indispensáveis para o leitor moderno poder compreender e saborear devidamente o
texto, que manteve rigorosa fidelidade em relação ao original catalão.
A
tradução de Ricardo da Costa foi lançada nos Estados Unidos em um volume com 512
páginas. Os leitores interessados podem solicitá-la à IVITRA, responsável por
sua distribuição. E-mail para os
pedidos: ivitra@ua.es
* * *
Foi
num contexto singular que tomei contato com Curial e sua amada Guelfa. Desconhecia
completamente a existência de ambos, quando o Prof. Ricardo me contou que
estava traduzindo uma novela de cavalaria escrita cem anos antes do Dom Quixote
e pediu-me que o ajudasse, na revisão do português.
Passei
então a conviver com os dois amantes da literatura catalã durante meses que
foram, para mim, muito prazerosos e instrutivos. A obra apresenta, por trás do
romance de amor entre os dois personagens do título, uma rica descrição da
sociedade cavalheiresca de sua época, mostrando bem a passagem da Idade Média
para o Renascimento. Ela explora um tema recorrente desde a Antiguidade até às
novelas de TV que o público feminino brasileiro acompanha com tanto interesse
em nossos dias: o amor entre pessoas separadas por diferenças de classe ou por
inimizades familiares.
Esse
tema é constante, na literatura de todos os tempos e povos. Basta lembrar os
amores de Píramo e Tisbe, na Babilônia, durante o reinado da formosa e
legendária Semíramis; e, mais recentemente, Romeu e Julieta, os dois amantes de
Verona, tão celebrizados que até acabaram dando seu nome à deliciosa e
brasileiríssima combinação de queijo-mineiro e goiabada-cascão... Isso sem
falar no lendário romance dos ingleses Robert Machin e Ana de Arfet, que em
plena Idade Média teriam ido aportar à linda Iha que mais tarde se denominou da
Madeira.
Guelfa
pertencia à alta nobreza, era irmã de um marquês soberano do Império e, sendo
viúva, só poderia recasar-se com um fidalgo do seu nível, mas apaixonou-se por
Curial, um jovem escudeiro de origem modesta, favorecendo-o e transformando-o
no primeiro cavaleiro da Cristandade. Mesmo assim, ainda foram enormes as
dificuldades enfrentadas até o happy end,
lá pela 500ª. página do livro, quando afinal se casaram. Em torno do romance,
inúmeras aventuras, duelos, batalhas, minuciosas descrições de banquetes,
cortes e intrigas políticas, com uma participação surpreendentemente
preponderante do elemento feminino na trama do romance, um retrato fascinante
da Catalunha, da Itália e da França daquela época, sonhos, naufrágios, um longo
cativeiro no Norte da África - tudo isso entremeando elementos cristãos com
forte influência mitológica grega.
Fiquei
realmente fascinado pela história dos dois personagens e sobretudo pela
descrição do ambiente e da época em que figuram. É de uma riqueza
impressionante. Acredito que, no Brasil, numerosos estudos e aprofundamentos
ainda serão feitos nos meios acadêmicos a partir de “Curial e Guelfa”. Amostra
significativa desse potencial tive em Vitória, no ano passado, quando
participei de um Encontro Internacional de Filosofia Medieval no qual cinco
jovens orientandos do Prof. Ricardo, ainda cursando a graduação regular em
História, na UFES, apresentaram a um público altamente especializado seus
trabalhos de iniciação científica, todos baseados na análise de aspectos
diversos de “Curial e Guelfa”.
Quanto
à qualidade excepcional da tradução de Ricardo da Costa, nem tenho palavras
para exaltá-la. Só me resta recomendar a obra aos leitores. Encomendem-na à
Editora. O preço é muito acessível. Custa apenas 22 dólares o exemplar. Garanto
que vale muito a pena.
(Anônimo do
século XV. Curial e Guelfa. Primeira tradução para o português e notas:
Ricardo da Costa. Revisão: Armando Alexandre dos Santos. Estudo introdutório e
edição de base: Antoni Ferrando. Foreword: Antonio Cortijo Ocaña. Textos
introdutórios de Ricardo da Costa e Armando Alexandre dos Santos. Santa
Bárbara: Publications of eHumanista, 2011.)
Texto publicado na
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